por ROSÁLIA FIGUEIRÊDO // jornalista, roteirista, escritora

 

 

“A vida aqui só é ruim quando não chove no chão, mas se chover dá de tudo, fartura tem de montão”.

Dá mesmo, não é Luiz Gonzaga? E com a sétima arte não é diferente. Embora estejamos fora do eixo, em que o Sudeste ainda retém a maior fatia da produção cinematográfica brasileira, nós aqui, do lado de cá, pelejamos e vamos deixando nossa marca na história.
Na última década o mercado audiovisual potiguar tem dado saltos consideráveis. Antes, vamos montar no Boi de Prata e dar um passeio pelo cinematográfico chão potiguar, que teve até um homem que desafiou o diabo. Pois é, aqui em solo poty, nos anos 70 do século passado, tivemos o primeiro longa-metragem filmado em Caicó, essa terra promissora que atualmente tem se destacado também no cenário do audiovisual, entre outras ações, com o recém criado e promissor Curta Caicó.
O filme chamado Boi de Prata, exibido em 1980, tem direção de Augusto Ribeiro Jr, e que também contou com Jussara de Queiroz que assina a assistência de montagem e que mais tarde se revelaria uma cineasta de mão cheia.

 

Jussara Queiroz (Acervo pessoal)
Jussara Queiroz herdou do pai o gosto pelo cinema, pois ele mantinha uma sala de exibição em casa, no interior do RN, em Jucurutu. Ela estudou cinema no Rio de Janeiro e ficou à frente de várias produções premiadas, como Fora de Ordem (1982), Acredito que o Mundo será Melhor (1983), Um Caso de Vida ou Morte (1985) e A Árvore da Demarcação (1993). Mas problemas de saúde a afastou daquilo que mais amava fazer: cinema. Em 2007, o cineasta Paulo Laguardia vence o DOCTV RN com o documentário O Voo Silenciado do Jucurutu, em que conta a vida e obra da cineasta.
O DOCTV foi um importante projeto do governo federal na área do audiovisual, onde cada estado, através das TVs Públicas, contemplava projetos para se transformarem em filmes, proporcionando uma verdadeira colcha de retalhos das manifestações artísticas e culturais do Brasil. Em 2004 foi dada a primeira largada do DOCTV/RN com o documentário Fabião das Queimadas, Poeta da Liberdade, de Buca Dantas, e o último em 2009, foi a vez de Sangue do Barro, de Maryland Brito e Fábio DeSilva. Todo esse pessoal que participou do DOCTV/RN já vinha produzindo bastante e, essa oportunidade de toda forma, embora não tenha sido continuada foi de grande importância para o cenário audiovisual potiguar.
Em meio a essa produção de documentários, o Rio Grande é cenário de mais um longa-metragem com o filme O Homem que Desafiou o Diabo, com direção de Moacyr Góes e roteiro do potiguar Nei Leandro de Castro, autor da obra As Pelejas de Ojuara, que inspirou a narrativa. Os realizadores dessa terra quente, mas que tem brisa, continuaram desafiando, talvez não o diabo propriamente dito, mas desafiando a si próprios para continuar contando histórias e deixando suas marcas no chão do cinema nordestino, provando cada vez mais o que Euclides da Cunha já havia profetizado em Os Sertões: “O sertanejo é antes de tudo, um forte.”
Aqui e acolá, surge um produto novo, e a coisa vai ficando mais intensa, surgem os festivais, os coletivos, as produções, as premiações, o reconhecimento nacional e mesmo internacional. Este ano, o programa Olhar Independente, da TV Universitária da UFRN, completa 14 anos, uma janela de divulgação da cena audiovisual potiguar que ainda continua sendo o único espaço em TV aberta. Desde o início foram exibidos mais de 500 filmes de curta metragem de realizadores da terra nordeste, da terra potiguar. Diante deste acervo, é possível verificar o crescimento não apenas quantitativo, mas principalmente, qualitativo.
A ideia na cabeça, a câmera na mão
E de festival em festival, de coletivo em coletivo, a galinha enche o papo. Nessa última década foram muitos os elementos que contribuíram para o crescimento da produção audiovisual local. Muitos profissionais que atuam hoje no meio foram formados pelas oficinas do resistente Goiamum Audiovisual, levado a ferro e fogo pela “cangaceira” Keila Sena. O surgimento do NPD, Núcleo de Produção Digital Boi de Prata, Cinemateca Potiguar, ambos sob a coordenação da cineasta Maryland Brito, dentre outras iniciativas que investem na formação profissional que vem sendo implantado não só na capital e área metropolitana, mas para o interior do estado. Assim como os cursos do IFRN, o de Rádio e TV da UFRN, que passou a se chamar Audiovisual e o curso de cinema da UNP, têm sido também responsáveis pelo surgimento de muitos novos talentos e, consequentemente, pelo aumento na produção audiovisual no Rio Grande do Norte.

A formação de coletivos, a união de pessoas que sabem que cinema não é um ato solitário, mas sim solidário, tem sido um importante aliado para o fortalecimento da produção local.

Em 2006, surge, salve engano, o primeiro coletivo chamado Caminhos, Comunicação e Cultura, e juntos produziram curtas como Quantas Ave Maria se Faz uma Santa, Cordelíricas, Almas das ruas, dentre tantos. Damos um salto, não que o espaço tenha ficado vazio, e surge em 2013 o Coletivo Caboré que também se tornou uma produtora que vem marcando presença na produção de filmes e webséries, como a internacionalmente premiada Septo. Destacamos a produtora Casa de Praia, que tem à frente o premiado produtor e cineasta Pedro Fiuza, que emplacou nos últimos dois anos prêmios com o curta Vai Melhorar, e como produtor levou o nome potiguar a um dos maiores festivais de cinema do mundo, o Festival de Cannes, com o curta Sideral, dirigindo por Carlos Segundo e indicado na categoria. Outros tantos coletivos vêm sendo criados, como o coletivo Mulungu, focado para a produção do cinema negro, e o coletivo Nós do Audiovisual, de São Miguel do Gostoso.
Na era digital se tornou bem mais fácil a divulgação, é só postar na rede social e com um clique o mundo pode passar a conhecer seu trabalho, no entanto, a importância dos festivais continua tendo sua parcela positiva. O Fest Natal, embora não circule na lista dos independentes, revelou muitos talentos, assim como o já mencionado Goiamum Audiovisual, o recém criado Cine Verão, sob a batuta da produtora Nathália Santana, que tem marcado forte presença não só no fortalecimento da cena, mas na revelação dos novos. Trazendo ainda o já citado Curta Caicó, que a duras penas vai sendo realizado pela peleja de Raildon Lucena, o Curta Mossoró, a Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso, o Festival Internacional de Baia Formosa, que tem levado alguns realizadores para o Off Câmera na Cracóvia, Polônia, inclusive, a primeira contemplada foi Raissa Dourado com o curta de um minuto, Vermelho, em 2013. Trazemos, também, um projeto realizado pelo roteirista Geraldo Cavalcanti, o Nós na Tela, que foi responsável pela formação e produção de curtas no interior do estado. Há muito o que se debruçar, curtir e valorizar os produtos gerados aqui mesmo, na terra de Cascudo, Elino Julião, Auta de Souza, Jussara Queiroz, Nísia Floresta, e como diria o potiguar: essa “ruma” de gente que faz a cadeia do audiovisual funcionar e continuar rodando.
Se a profecia de Antônio Conselheiro será cumprida eu não sei, mas se um dia o mar virar sertão, e o sertão virar mar, estaremos muito bem, pois temos dos dois, e nos dois sabemos nos conduzir. Além dos locais marítimos referidos, como São Miguel do Gostoso, Baia Formosa, destacamos que Pipa tem sido também palco de muita balburdia audiovisual.
Em 2018, aconteceu o Sintonize, Festival de Cinema e Autoconhecimento, além do lançamento do primeiro longa-metragem de Walfran Guedes, o Lua de Fogo, filmado e produzido naquela região, nos eflúvios da brisa do mar do vento nordeste. Esse vento nordeste tem ventado bastante pra essas bandas na produção de longas metragens. A última década dos anos 2000 contabilizou um número expressivo de longas, tais como: Natal, esquina do mundo, de Fed Nicolau (2011); Passo da Pátria, Porto dos Destinos, de Paulo Dumaresq e Alex Régis (2016); Eu Bicho do Mundo, de Guaracy Gabriel (2015); O Mistério das Noites Brancas, de Edson Soares (2018); Era uma vez Lalo, produzido em Mossoró pelo Coletivo Buraco Filmes e teve estreia na telona do cinema Partage, naquela cidade; e ano passado foi a vez de Fendas, de Carlos Segundo (2019). Apesar da seca da falta de investimentos para a produção audiovisual aqui para essas bandas do Vento Nordeste, nós sabemos que a vida aqui só é ruim quando não chove no chão, mas se chover… mas se não chover, a gente inventa e faz a hora, não espera acontecer.

Um viva ao cinema Potiguar, Nordestino, Brasileiro!

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