Pacarrete, a eterna hora da estrela.

por ROSÁLIA FIGUEIRÊDO // jornalista, roteirista, escritora

“Eu tenho muitas palavras dentro de minha cabeça.” Diz Pacarrete, personagem central do longa metragem de estreia do diretor cearense Allan Deberton, vivido pela atriz paraibana Marcélia Cartaxo, que se agiganta, sensibiliza, nos faz sorrir, nos faz ter orgulho dessa terra que resiste e grita como sua personagem, para ser ouvida.

Baseada em uma história real, Pacarrete, Margarida em francês, é uma professora, bailarina, toca piano e na velhice migra para uma cidadezinha do interior do Ceará, e leva consigo o seu passado de glória, sua afinidade com a cultura francesa, seus “delírios” que a arte causa dentro daqueles que não se encaixam no que é posto.
Há muitas metáforas em torno da narrativa, Pacarrete não é apenas uma bailarina idosa que não encontra mais seu lugar, nem tão pouco uma velha louca como é vista no bairro em que mora. Ela é metáfora da arte descartada, desvalorizada, relegada, negada pelo modismo vazio que nos empurram de goela a dentro, além da desvalorização dos agentes públicos.
Pacarrete vive em um mundo paralelo, como vivem tantos artistas que também são tachados de loucos. Como diria, Raul Seixas: “Eu aprendendo a ser louco total, na loucura geral. Controlando a minha a maluquez, misturada com minha lucidez.” Assim é a personagem, uma maluca beleza. Apaixonante!
Quando a personagem grita de sua janela que não é obrigada a escutar a música que invade a cidade, gritamos juntos. Como ato de rebeldia, ela liga o aparelho de som e coloca a caixa na janela, e a música clássica nas alturas, invade a rua a se misturar com o forró estilizado, eletrizado, que vem da festa. Isso é um ato de protesto. Ela é protesto, é resistência, do começo ao fim. Somos todos Pacarrete! Sim.
Marcélia Cartaxo volta ao centro da arte brasileira, da sétima arte, trinta e cinco anos após ter vivido Macabéia, personagem de A Hora da Estrela. Como um devaneio, vejo que Pacarrete é a Macabéia que retorna, tão forte, como aquela jovem de vinte e poucos anos, que brilhou na cinematografia brasileira. É como se Pacarrete viesse nos dizer que a hora da estrela é sempre. A arte não envelhece porque é eterna.
O abandono é tema pontual na narrativa, no momento que ela é descartada como uma coisa pela secretária de cultura daquela localidade, seu destino se cruza com um cachorro, igualmente abandonado. Soa como uma crítica, aos descartes que os animais também vivem quando envelhecem. Mas He-Man, nome que ele dá ao cão, surge como super herói e tira a personagem de uma depressão. Os abandonados se solidarizam.
Um filme de uma beleza simples, de uma interpretação visceral que uniu dor e
alegria, que nos convidou a sorrir e a lamentar, como é a gangorra da vida. Que já rendeu várias premiações, dentre elas, melhor filme e melhor atriz no Festival de Gramado de 2019, onde foi longamente aplaudido pelo público. O diretor declara que os aplausos eram também para a personagem real de sua infância, e que ele, como todos, acreditavam que se tratava de uma louca, estereótipo desfeito quando ele foi estudar cinema, e na pesquisa para a construção do filme, descobriu quem de fato era Pacarrete. Atriz e personagem receberam esses aplausos, e juntas deram a revanche. Ao receber o Kikito,
Marcélia Cartaxo disse: “Dedico este prêmio à Pacarrete, mulher e artista, à minha Paraíba, ao Nordeste.

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