Movimento feminista da terceira e quarta onda

Fotografia: Rogério Marques

Continuando à temática do movimento feminista, fazemos uma síntese sobre a terceira onda de lutas feministas. Segundo Toledo (2001, p. 78), ela ocorreu entre os anos 1970-80, sobretudo na América Latina, e atendeu às demandas das agendas feministas que tinham como objetivo as mulheres trabalhadoras.

Não foram lutas com bandeiras específicas feministas, mas sindicais e amplas. Justamente, pode residir seu avanço em relação às ondas anteriores (anos 20 e anos 60), já que nesta a mulher trabalhadora se levanta junto com a classe numa luta que questionava diretamente o modo de produção capitalista (TOLEDO, 2001, p. 91).
Como se percebe, o pensamento de Toledo não discordava das outras autoras, porém enfatizava o fato de que, na década de 1970, as lutas objetivavam não apenas o retorno dos direitos políticos e dos direitos civis retirados da população brasileira durante o período da ditadura militar, como também traziam as bandeiras mais específicas das mulheres. Assim, além de questionar o sistema vigente no país – o modo de produção capitalista responsável pelas mazelas existentes na sociedade –, havia espaço para as reivindicações específicas das mulheres.
Nesse sentido, o feminismo conseguiu, em parte, expressar suas reivindicações na Constituição de 1988, que garante a igualdade entre homens e mulheres na sociedade e na família, abolindo o pátrio poder e a figura do chefe do casal. Neste sentido, a Constituição atual reconhece também a união estável como entidade familiar, incorpora novos direitos como o acesso ao planejamento familiar, a proteção contra a violência nas relações familiares e a não discriminação dos filhos tidos fora do casamento (FREIRE, 2008, p. 66).
Dentro dos movimentos feministas, as mulheres se organizaram junto aos mais diferentes grupos, sendo que, a princípio, algumas não se intitulavam feministas e estavam dedicadas a reivindicar direitos iguais para as mulheres como meio de lutar por seu espaço na sociedade.
De acordo com Marlize Matos (2014) e Sônia Alvarez (2014), outros movimentos feministas emergiram pautados por forte crítica ao neoliberalismo, como a MMM (Marcha Mundial das Mulheres), movimento internacional que está inserido nas dinâmicas locais com uma pauta nacional, revigorando as pautas políticas dos feminismos e abrindo processos de aliança com outros movimentos sociais, a partir do resgate da ação feminista de rua, criativa e subversiva, no contexto de emergência dos movimentos antiglobalização e da construção do FSM (Fórum Social Mundial) em 2001, no momento  da implantação da política  neoliberal no Brasil.
As pautas são mais abrangentes, estando incluídas as questões de raça, classe e gênero, nas quais a discussão LGBTS e a legalização do aborto estão bem presentes. Para essas autoras, o Fórum Social Mundial promoveu a reaproximação de ambas as tendências e se converteu em um território justo (MATOS, 2014, ALVAREZ, 2014). Consideramos que a MMM cumpriu bem o papel do governo. Na  verdade, naquele momento estava se calando diante das altas taxas de mortalidade das mulheres vítimas de violência doméstica. As mulheres agredidas não tinham como se proteger do agressor, não havia recursos destinados para a construção de casas abrigos para elas se protegerem do agressor.
No campo discursivo de ação, como afirma Sônia Alvarez (2014), a Marcha Mundial das Mulheres e outras redes e grupos de movimentos feministas e de mulheres que se identificam com o chamado “campo anticapitalista” pela justiça global e pelos movimentos locais de protesto antineoliberal, apesar de terem seus “próprios pontos ocasionais de contato com o sistema ONU” (Organização das Nações Unidas), defendem que feministas devem trabalhar para integrar a justiça de gênero a todas as agendas, práticas e espaços daqueles movimentos maiores, focalizando na “[…] construção do movimento entre as mulheres e feministas, mas também cruzando setorialmente com movimentos mistos e não feministas, com quem construiriam alianças políticas contra o neoliberalismo” (CONWAY, 2010, p. 164, apud ALVAREZ, 2014, p. 70). Sua organização transfronteiras construiu redes que intersectam conexões translocais, constituindo um novo tipo de internacionalismo cuja base é o local.
Diante de tudo o que já foi debatido no decorrer do texto, as mulheres continuam nas ruas, na luta, reivindicando melhores condições de vida, discutindo tópicos como identificação de gênero, transexualidade [6], classes sociais, etnias, cultura, raça e violência.
Segundo Matos (2014), a quarta onda ou nova “onda” para os movimentos feministas se constitui também num momento analítico para os estudos e as teorias feministas no campo crítico das diferenças, e redefine:
[…] os movimentos feministas baseados em novas propostas teóricas, levando em consideração as renovadas ênfases em fronteiras interseccionais, transversais e transdisciplinares entre raça, gênero, sexualidade, classe e geração. Formados também por organizações anticapitalistas e antipatriarcalismo atuando no contexto político e social” (MATOS, 2014, p. 11).
Nesse contexto, a relação do movimento feminista transversal ultrapassa barreiras nunca antes discutidas pelos movimentos nas décadas de 1970 e 1980. O avanço da tecnologia, a maior aproximação das pessoas por meio das mídias, o acesso às redes sociais, as mudanças na nova forma de pensar contribuíram para inovações no modo de organizar os movimentos sociais.
Um ponto interessante a ser levado em consideração é a participação das mulheres feministas jovens, adolescentes, tanto do sexo feminino como masculino, tendo como pauta reivindicações, denúncias contra abusos sexuais e violências contra as mulheres, seja no âmbito doméstico ou pelo meio virtual, assim como a violência aos LGBTS. Nesse caso, convém destacar que para a sociedade convencional há uma quebra das regras e afronta à família tradicional, quando essas pessoas demonstram carinhos e carícias em público. Nesse sentido, percebemos os constantes ataques e agressões às mulheres, sejam elas brancas ou negras, e aos homossexuais, via redes sociais ou mesmo em público.
Segundo Matos (2014), essa nova onda para os movimentos feministas da região se constitui num momento analítico para entender o que ela chama de campo crítico das diferenças. Esse movimento está presente nas universidades a partir da formação de novos grupos que estão se formando ancorados nas discussões de gênero com ideias transversais.
Entendemos da importância do discurso marcado pelos movimentos feministas, o qual possibilita ampliar o modelo que se diz democrático, além de contribuir com os interesses coletivos no recorte de gênero, transversalidade, raça, etnia, cultura, colocando em prática e exigindo dos governos políticas públicas que de fato cumpram com as reivindicações dos movimentos feministas.
É importante pontuar que, de acordo com Alvarez (2014), o feminismo atual continua se movendo e se remodelando em interação dinâmica com as chamadas Jornadas de Junho de 2013 e suas “sequelas” mais radicais, anticapitalistas, anti-Copa Mundial de 2014 e, recentemente, anti-Olimpíadas. Esses outros campos discursivos paralelos, por sua vez, se articularam com os feminismos por meio de um “retorno às ruas” liderado por mulheres e homens atuantes nos movimentos autonomistas, anarquistas, neoleninistas e trotskystas (de todas as colorações imagináveis), os quais têm múltiplos pontos de interseção e influência mútua – mas uma relação nem sempre tranquila – com diversos setores do campo feminista atual, especialmente com os mais variados setores do chamado “feminismo jovem” (ALVAREZ, 2014, p. 33).
Ainda de acordo com Matos (2014), entendemos e defendemos a experiência da recente nova “onda” para os movimentos feministas da região e também para os estudos e teorias feministas, que têm incidência muito especial nos países do Sul global e, em especial, na América Latina e Caribe. Se essa seria exatamente uma terceira ou uma quarta onda feminista no continente, é menos relevante do que dar o efetivo destaque ao fato de que é a primeira vez que se pode levar a sério a existência radical (mas ainda recente) de circuitos de difusão feministas operados a partir das mais distintas correntes horizontais de feminismos (acadêmico, negro, lésbico, masculino, etc).
É importante pontuar também que há uma maior aproximação dos movimentos de mulheres com o movimento indígena, LGBTS e contra o racismo, os quais têm contribuído para dar mais visibilidade à luta no campo das diferenças. Nesse sentido, há uma maior representatividade porque percebemos um alcance maior da juventude nos movimentos de massa.
A avaliação a qual fazemos é como a quarta onda nos referenciam cada vez mais na luta por políticas públicas, na construção de espaços, denúncias e reivindicações de mulheres contra o assédio sexual e moral no campo do trabalho, o racismo. Percebemos o quanto o movimento feminista tem crescido nas redes sociais, e como esse movimento tem contribuído para que mais mulheres e homens jovens reconheçam a importância dessas redes sociais e dar visibilidade a todo tipo de violência contra as mulheres, ao machismo, racismo, transfobia. Percebe-se que há uma relação entre a terceira e quarta onda, talvez por apresentarem pautas parecidas, ou por ser continuação da outra, cada uma com suas especificidades.
A discussão a qual fazemos se dá no âmbito das novas formas, de novos conceitos usados na atual sociedade de classe. As mulheres continuam enfrentando dificuldades no mercado de trabalho e ainda representam metade da população desempregada. Quando empregadas, recebem salários menores que os homens, e ainda são responsáveis pelo cuidado dos filhos. Além disso, muitas delas sustentam a casa sozinhas e são as mães solo. Essas questões são debatidas até os dias atuais.
O movimento nas ruas tem conseguido cada vez mais ocupar espaços. É crescente o número de jovens presentes, talvez pela facilidade de divulgação nas redes sociais e pelo entusiasmo delas e deles em mudar a cara da sociedade capitalista. Analisamos a importância dos movimentos feministas e a divisão em ondas para compreendermos as conquistas históricas das mulheres e seus direitos políticos, assim como, no recorte de classe, gênero, raça. Observamos a quarta onda como um campo de ação mais aberto por referendar as lutas mais atuais, esse aumento do número de jovens mais abertos a discussões e talvez mais ousados no sentido de desconstruir barreiras antes não ultrapassadas pelos novos paradigmas, a quebra de tabus.

 


[6] COELHO, Maria Thereza. Transexualidade é o pertencimento social em um gênero distinto daquele que lhe foi imposto através do nascimento, 2021.
REFERÊNCIAS
ALVAREZ, Sonia E. A Engajamentos ambivalentes, efeitos paradoxais: movimentos feminista e de mulheres na América Latina e/em/contra o desenvolvimento. Feminismos, n. 4, 2014b.
COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliane Lopes Pedral. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/15770/1/A%20TRANSEXUALIDADE%20NA%20ATUALIDADE.pdf Acesso em: 01 out.2021.
FREIRE, Aluizia do Nascimento. A inserção das mulheres na Câmara Municipal de Natal (1988-2004). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008.
hooks, Bell. O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras. 10. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.
MATOS, Marlise. A Quarta onda feminista e o Campo crítico-emancipatório das diferenças no Brasil: entre a destradicionalização social e o neoconservadorismo político. 38º Encontro anual da ANPOCS/UFMG, 2014.
PEDRO, Joana Maria. As mulheres e a separação das esferas. Revistas diálogos, DHI/UEM, v. 4, n. 4, p. 33-39, 2000.
PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe (orgs.). Gênero e feminismo do Cone Sul. Ilha de Santa Catarina. Ed. Mulheres, 2010.
PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea. Revista Topoi, v. 12 n. 22, p. 270-283, jan. 2011.
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
_______________________. Feminismo, História e Poder. Rev Social e Política, Curitiba, vol.18 nº 36 Disponivel em: https://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/31624. Acesso: 20 jun. 2020.
SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo: Brasiliense/Secretaria Municipal de Cultura-SP, 1991.
TOLEDO, Cecília. Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide. São Paulo: Xamã, 2001.
ZIRBEL, Ilza. Introdução ao feminismo: Rede Brasileira de Mulheres Filósofas. Disponível em: https://arribacao.com.br/2020/04/10/introducao-ao-feminismo-rede-brasileira-de-mulheres-filosofas-anuncia-curso-online-gratuito/UFSC. Acesso: 15 abr. 2020.
VARGAS, Virginia. Feminismos en América Latina: Su aporte a la política y a la democracia. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Colección Transformación Global, 2008.

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