por ALUIZIA FREIRE // Professora e historiadora

O presente texto apresenta a nossa indignação no momento em que mulheres e homens, negras e negros, são mortos e associados a cor da sua pele por uma sociedade racista, machista, homofóbica, cruel, em que a pessoa de pele negra é sempre confundida com bandido e ladrão pela polícia, o aparato de repressão do Estado burguês.

Ilustração: História da Sociedade Brasileira (1979), pág 120.
Mais uma vez nos deparamos com a morte de dois homens pelos mesmos motivos, ambos são negros. O primeiro é um jovem negro com 24 anos de idade e chamava-se Moise Kabagambe. Natural do Congo, refugiado político há 10 anos no Brasil, onde tinha muito o que conquistar. Ele foi espancado até a morte no dia 24 de janeiro passado depois de cobrar uma dívida de R$ 200 por duas diárias de trabalho não pagas, as quais tinha direito. De acordo Moises Mendes, o dono do quiosque é um policial militar.
Os leões de chácara que tentam defender os interesses do quiosque agem como se tivessem poder militar ou a mando de uma polícia violenta. Se consideram soldados do patrão. Segundo os meios de comunicação de massa, o congolês saiu do seu país fugindo das guerras com o sonho de ter uma vida melhor no Brasil. De acordo com Henrique Coelho, testemunhas afirmaram que Moïse pediu para não ser morto enquanto era espancado. Uma das linhas de investigação averiguadas pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), que apura o caso, é que os homens que o espancaram eram seguranças do quiosque.
O foco no racismo estrutural nos conduz de imediato para o consolo de que já temos uma explicação. O rapaz teria sido morto porque é negro. Dados do mapa da violência (2020) mostram que os assassinatos de negros têm crescido 11,5% no Brasil. Segundo Mendes, a polícia caça e mata mais de 6 mil pessoas por ano, quase todos negros.
Ainda de acordo com Mendes, a explicação para a morte de Moïse terá de passar pela essência política desse ambiente institucionalizado como preconceituoso, racista, xenófobo, miliciano, violento e fascista. O rapaz foi morto com requinte de crueldade por ser negro e ainda sofria preconceito por xenofobia.
Assim como Moise Kabagambe, mais um homem negro foi vítima de racismo no último dia 3 de fevereiro. O trabalhador Teófilo Durval Filho, 38 anos, foi assassinado na porta de casa por ser confundido com bandido pelo seu vizinho, um militar da marinha. Segundo a repórter Sônia Bridi, no depoimento o assassino disse que confundiu Durval com um assaltante, mas não tinha havido um assalto ou tentativa, portanto não havia suspeito para ser confundido.
A companheira de Durval afirma que ele não tinha arma, abriu sua mochila para pegar as chaves da casa como era de costume e recebeu um tiro. O assassino era mais um militar que se acha no direito de matar uma pessoa pela sua cor da pele. Será que uma pessoa branca morreria só porque abriu sua mochila para pegar uma chave no seu próprio condomínio?
O que mais nos revolta é o assassino achar e ser ouvido como vítima, enquanto a vítima foi apresentada como suspeito, morto, sem direito a se defender.  Durval era morador do condomínio na grande região metropolitana de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, casado e pai de uma menina, Luziana, que, segundo Bridi, aprendeu que o racismo bate à sua porta.
A viúva Luzianeth Teófilo está inconformada com o assassinato do seu companheiro e pede justiça. O velório de Durval foi marcado por protesto e gritos de “vidas negras importam”. Até quando vamos ter que suportar nosso povo de pele negra ser morto? Que sociedade é essa que mata uma pessoa porque tem a pele preta, é abatido por tiros da mesma forma que nossos negros fugitivos dos cativeiros eram mortos pelos capitães do mato a mando dos coronéis que eram amparados pelo Estado opressor e violento?
O racismo que perdura no Brasil é reflexo dessa escravidão, quando os negros africanos se tornaram mão de obra escrava nos engenhos de açúcar, açoitados e cravados a ferro e fogo, onde as relações econômicas, sociais, culturais se institucionalizam no país. Onde os cativos eram tratados como animais, perseguidos pelos capatazes dos senhores de engenhos.
Segundo Vera Lúcia de Araújo (2020), a República brasileira é impenetrável e as histórias individuais de exceções reafirmam a consistência do racismo estrutural, que cerceia a população negra do acesso à cidadania e, no extremo, promove o genocídio reconhecido pelo Estado brasileiro. A morte de pessoas negras e pardas, a cada dia, numa sociedade em que racismo estrutural é um conjunto de práticas culturais, institucionais, que exclui um grupo de pessoas em sua maioria pobre, que não tem oportunidade de uma vida digna, muitos vivendo em subempregos no atual contexto social.
Vivenciamos um momento em que temos 14% da população desempregada e na sua maioria são pessoas negras e pardas. Essa é a realidade da sociedade de classes. Por isso, a importância da organização dos movimentos sociais na luta contra o racismo. O Movimento Quilombo, Raça e Classe em Natal, Rio Grande do Norte, esteve presente no ato em protesto à morte de Moise Kambagambe.
VIDAS NEGRAS IMPORTAM, JUSTIÇA PARA TODOS OS ASSASSINOS, RACISTAS E FIM DESSE ESTADO OPRESSOR.
Referências
https://www.brasil247.com/blog/nao-escondam-um-detalhe-da-morte-de-moise-kabagambe.
COELHO, Henrique. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/02/01/moise-foi-morto-apos-cobrar-diarias-de-trabalho-nao-pagas-diz-comissao-da-alerj.ghtml.
BRIDI, Sônia: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2022/02/07/viuva-de-durval-quer-justica-pelo-marido-e-pela-filha-ela-tambem-e-negra-o-pai-se-foi-amanha-pode-ser-ela.ghtml

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