por ALUIZIA FREIRE // Professora e historiadora
Ilustração: Joan Reilly
O feminismo da primeira e segunda onda, na nossa concepção, e assim como para algumas feministas, como Denise Thompson (2018), Bell Hooks (2018), tinha à sua frente mulheres brancas de classes sociais mais abastadas. Essas autoras nos trazem uma discussão muito mais ampla do protagonismo das mulheres brancas, que vai dizer muito do lugar de fala delas. Por outro lado, para Hooks, a mídia inviabilizava e não mostrava o protagonismo de mulheres negras, lésbicas (Hooks, 2018, p. 8). Provavelmente, para a mídia, essas mulheres não eram dignas de lutar por seus direitos e conquista de espaços nessa sociedade por causa da sua cor de pele. Não podemos esquecer que, nesse período, o racismo não era velado tanto quanto nas décadas seguintes.
O movimento feminista foi responsável por mudanças de comportamentos, levando parcela importante das mulheres a ter uma visão crítica dessa sociedade, a qual, durante muito tempo, impôs as amarras da submissão, da opressão às mulheres. Segundo Bell Hooks, feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, a exploração sexista e a opressão (2018, p. 8). Nesse sentido, importa assinalar que só com a luta conseguiremos quebrar essas correntes.
Segundo Virginia Vargas, […] o movimento feminista latino americano da segunda onda surgiu em forma quase simultânea nos anos setenta nos países do cone sul, na região andina, do Caribe espanhol e México, estendendo-se, ao longo da década de oitenta, nos diferentes países de centro América. Muitas delas, que inicialmente vimos, de uma larga militância da esquerda (2008, p. 151).
Esse movimento já vinha despontando desde o século XIX, tendo como influência as revoluções na Europa. No Brasil, as mulheres conseguiram dar o seu recado quando saíram às ruas na busca por igualdade de direitos e contra as discriminações de classe e gênero.
Segundo Zirbel [4], no Brasil o movimento feminista partiu das lutas gerais para as específicas, por creches, saneamento básico, melhorias nas condições de trabalho, saúde, direitos reprodutivos, educação igualitária e o divórcio. Na nossa concepção, são reivindicações mais de aspectos pessoais das mulheres.
Convém destacar que as feministas foram às ruas e tiveram como objetivo também o enfrentamento à ditadura militar, exigindo a força de uma população que estava excluída dos seus direitos de ir e vir. Nesse contexto, as mulheres feministas estavam à frente dos movimentos sociais com alguns homens na luta contra a ditadura militar, período repressivo e antidemocrático. Não podemos esquecer que há toda uma crítica das estudiosas do feminismo quando relatam que muitas daquelas mulheres se identificavam com a esquerda, entretanto, havia muitas delas militantes de esquerda que não se proclamavam feministas, como afirma Amélia Teles (2015, p. 3). Naquele momento não importava se as mulheres se identificavam ou não com os feminismos, era importante sim, está nas ruas contra o governo ditatorial, na luta em defesa dos nossos direitos.
De acordo com Virginia Vargas (2008, p. 141), parecia que as feministas da segunda onda vinham enfren­tando incertezas e buscando novos espaços e novas práticas de fortes conflitos internos os quais têm diferentes formas de expressão, implicando em diferentes visões sobre o que deveria ser o papel do feminismo, como movimento político, de cara nova no milênio. Entendemos que os movimentos feministas naquele período tinha um papel fundamental na luta em defesa dos direitos de mulheres e homens, da melhoria das condições de vida, contra as desigualdades sociais, da construção de uma sociedade democrática. As mudanças que ocorreram na sociedade nos fazem buscar entender como as mulheres estão se comportando diante dos conflitos que ocorreram, tanto internos como externos, muitos relacionados à luta delas por melhores condições de sobrevivência
Dentre as lutas travadas pelos movimentos feministas, a resistência à ditadura demonstra o quanto as mulheres, na sua militância, foram firmes e lutadoras na busca pela conquista do seu lugar de fala na sociedade, contudo é importante ressaltar o papel que a esquerda [5] desempenhou e sua coerência quando se trata de observar a relação de poder entre as mulheres e os homens. O fortalecimento da luta das mulheres foi um diferencial na luta contra o Estado repressivo.
Pautas específicas mostradas por Zirbel chama a atenção para o fato de que, no debate sobre os feminismos, a inclusão dos movimentos negros e LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero) só foi bem vista no século XXI. “Nenhuma dessas transformações incríveis teria acontecido sem o movimento feminista ter criado uma base de solidariedade entre as mulheres, na nossa visão crítica do que chamamos de inimigo íntimo referente ao nosso sexismo interiorizado” (ZIRBEL, 2020).
A discussão sobre os movimentos feministas e das mulheres em espaço de gestão no governo institucionalizado polarizou os grupos. “[…] houve duas posições que polarizou os grupos de discussões: de um lado as que se propunham a ocupar os novos espaços governamentais, de outro as que insistiam na exclusividade dos movimentos como espaços das feministas” (SOUZA-LOBO, 1991, p. 225). Nos referimos às ONGs (Organizações Não Governamentais), o lugar de fala das mulheres, nesse sentido importa enfatizar, demonstra essa polarização, que, em parte, favorecia os interesses do governo, pois, ao cooptarem os movimentos sociais acabam confundindo os papéis por interesses de grupos. Nesse sentido, importa enfatizar que os movimentos sociais aglutinam pessoas de ideologias diversas, e cada indivíduo aspira por mudanças com suas adversidades que contrariam os interesses coletivos.
Sendo assim, por meio dos movimentos sociais, as mulheres objetivavam modificar suas próprias realidades e seus modus operandi de vida. Porém, Joana Pedro enfatiza que:
[…] as diversas reivindicações destes movimentos foram feitas em nome dos papéis familiares desempenhados pelas mulheres na esfera privada. Ou seja, eram como mães, esposas e donas de casa que as mulheres reivindicavam creche, postos de saúde, moradia, etc. O canal político de reivindicação foi, por sua vez, constituído fora das instâncias políticas normativas dos partidos (2000, p. 36).

 


[4] ZIRBEL, Ilza, Introdução ao feminismo. Introdução ao feminismo: Rede Brasileira de Mulheres Filosófas. Disponível em: https://arribacao.com.br/2020/04/10/introducao-ao-feminismo-rede-brasileira-de-mulheres-filosofas-anuncia-curso-online-gratuito/UFSC. Acesso: 15. Abr, 2020.
[5] A ideia de esquerda está relacionada a Revolução Francesa em 1789, em que organizavam a aristocracia sentados à direita, a pequena burguesia e os trabalhadores sentados à esquerda. No Brasil temos o surgimento de vários partidos considerados de esquerda, dentre estes: Partido Comunista Brasileiro-PCB, Partido Comunista do Brasil- PC do B e Partido dos Trabalhadores-PT. Considerados partidos de esquerda.
REFERÊNCIAS
ALVAREZ, Sonia E. A Engajamentos ambivalentes, efeitos paradoxais: movimentos feminista e de mulheres na América Latina e/em/contra o desenvolvimento. Feminismos, n. 4, 2014b.
COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliane Lopes Pedral. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/15770/1/A%20TRANSEXUALIDADE%20NA%20ATUALIDADE.pdf Acesso em: 01 out.2021.
FREIRE, Aluizia do Nascimento. A inserção das mulheres na Câmara Municipal de Natal (1988-2004). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008.
hooks, Bell. O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras. 10. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.
MATOS, Marlise. A Quarta onda feminista e o Campo crítico-emancipatório das diferenças no Brasil: entre a destradicionalização social e o neoconservadorismo político. 38º Encontro anual da ANPOCS/UFMG, 2014.
PEDRO, Joana Maria. As mulheres e a separação das esferas. Revistas diálogos, DHI/UEM, v. 4, n. 4, p. 33-39, 2000.
PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe (orgs.). Gênero e feminismo do Cone Sul. Ilha de Santa Catarina. Ed. Mulheres, 2010.
PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea. Revista Topoi, v. 12 n. 22, p. 270-283, jan. 2011.
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
_______________________. Feminismo, História e Poder. Rev Social e Política, Curitiba, vol.18 nº 36 Disponivel em: https://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/31624. Acesso: 20 jun. 2020.
SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo: Brasiliense/Secretaria Municipal de Cultura-SP, 1991.
TOLEDO, Cecília. Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide. São Paulo: Xamã, 2001.
ZIRBEL, Ilza. Introdução ao feminismo: Rede Brasileira de Mulheres Filósofas. Disponível em: https://arribacao.com.br/2020/04/10/introducao-ao-feminismo-rede-brasileira-de-mulheres-filosofas-anuncia-curso-online-gratuito/UFSC. Acesso: 15 abr. 2020.
VARGAS, Virginia. Feminismos en América Latina: Su aporte a la política y a la democracia. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Colección Transformación Global, 2008.

3 COMMENTS

  1. whoah this blog is wonderful i really like reading your articles. Keep up the great paintings! You realize, a lot of people are hunting round for this info, you could help them greatly.

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here