Enxu Queimado: Um povo sob ameaça

Acervo/Moradores

Moradores da comunidade de Enxu Queimado, localizada no município de Pedra Grande, a 145 km da capital do estado do Rio Grande do Norte, estão sendo pressionados pela empresa Teixeira Onze Incorporações Ltda a pagar pelas suas casas.

“Somos uma comunidade pesqueira há mais de 100 anos”, diz a presidente da colônia dos pescadores, Maria Joelma. Ela conta que em 2007 um representante da empresa chegou na comunidade se dizendo dono das terras. “Começou medindo as casas já existentes e cercando as áreas livres. A população se revoltou e começou a questionar, os moradores derrubaram as cercas e teve ameaças por parte do representante da empresa, que abriu um boletim de ocorrência contra a comunidade na Polícia Civil de João Câmara”. Segundo Joelma, dias depois ele voltou com o representante da gestão municipal da época convocando a população para uma reunião na Colônia dos Pescadores, onde foi pedido para a comunidade assinar uns documentos. “Os moradores se recusaram a assinar, então, começou o conflito novamente”

No mês de julho deste ano, em plena pandemia, depois de 13 anos a empresa voltou a pressionar os moradores. Um comunicado com data de 23/7/2020 foi distribuído na comunidade informando que “a empresa Teixeira Onze está fazendo a própria parte querendo regularizar junto a prefeitura a cidade inteira de Enxu-Queimado”.

“Ela quer que a comunidade pague por cada metro quadrado de suas casas e ameaçou derrubar os barracos que ocupam as áreas de expansão. O que estamos reivindicando são os nossos direitos como posseiros há mais de cem anos e não aceitamos perder nossas terras e casas construídas com tanto esforço para uma empresa que se diz dona de tudo. Estamos correndo o risco de perder nosso acesso para a praia para exercer a nossa atividade que é a pesca, de onde tiramos o sustento de nossos familiares”, diz Joelma.

Leonete Roseno, que faz parte da Comissão de Moradores, explica que de acordo com o documento “a Teixeira Onze Incorporações comprou a propriedade conhecida como Canto de Baixo, que é dentro da área de expansão turística, mas afastada da comunidade. A empresa usou de má fé e mapeou toda área como sendo Enxu Queimado”.

Parece que a ideia do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, para “ir passando a boiada” sobre as regras de proteção ambiental enquanto todos estão concentrados na pandemia da covid-19, está sendo bem aproveitada pela Teixeira Onze que resolveu ir “cercando as terras” na comunidade de Enxu Queimado.

De tanto a população ser intimidada, a Colônia dos Pescadores e a Comissão de Moradores encaminharam as denúncias para a Defensoria Pública Estadual e a Sedraf (Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricultura Familiar), que se reuniu de modo virtual no dia 28/7 com a comunidade, juntamente com o Comitê Estadual de Resolução de Conflitos Fundiários. Na ocasião, foi informado aos moradores que será retomado o processo já iniciado pela extinta Seara (Secretaria de Estado de Assuntos Fundiários e de Apoio à Reforma Agrária). Entre os encaminhamentos, a Sedraf se comprometeu em fazer contato com a empresa Teixeira Onze para tratar sobre tal situação, que também será apurada junto ao município de Pedra Grande através de um levantamento de toda a cadeia dominial da região – Isto é, a relação dos proprietários de determinado imóvel rural, desde a titulação original pelo Poder Público até o último dono (atual proprietário). Enquanto isso, o comitê de conflitos fundiários orienta para que ninguém da comunidade assine qualquer documento para a empresa, pois poderá atrapalhar no processo de negociação. “Já tivemos duas reuniões remotas com representantes da Sedraf, o nosso movimento é para que o Estado faça a regularização fundiária da comunidade de Enxu Queimado”, afirma Leonete.

Ela relata mais uma situação do conflito que afeta a comunidade, quando o representante da empresa acompanhado por dois seguranças procurou o senhor Ramiro para tentar derrubar o barraco dele. “Aí eu fui e liguei para o policial do destacamento municipal e comuniquei o caso, pois as pessoas realmente ficaram com medo, amedrontadas”. Ao chegar, o policial procurou primeiro o representante da empresa e depois foi até a casa de Leonete juntamente com os dois seguranças e o documento das terras em mãos. “Eu expliquei que nós estávamos articulando junto ao Estado e com os órgãos competentes porque as terras são nossas por posse há mais de 100 anos. O policial pediu que a comissão de moradores se identificasse, senão ia prender todo mundo”. Ela diz que chamou toda a comissão que chegou e se identificou como representantes legítimos da comunidade. “Em seguida, ele orientou o senhor Ramiro a sair, pois estava invadindo uma terra que tinha um documento de compra e venda, e nós não tínhamos nada, que a empresa era a dona das terras que comprou há 13 anos”. A representante dos moradores explica que são terras de área alodial – que não pode ter vínculo. “O policial não chegou me intimidando, mas com o discurso dele praticamente foi isso que quis fazer, amedrontar pra gente se afastar e deixar o direito do senhor lá, desconsiderando que nós estamos brigando por um direito que é nosso”.

Mesmo enfrentando ameaças, diversas famílias se recusam a pagar ou entregar suas casas para a empresa, “que se instalou no município e começou a fazer as coisas por debaixo dos panos”. Uma violação aos direitos que coloca em risco a própria organização social da comunidade e o modo como a população se relaciona com o seu lugar de origem.

Para onde vai se mudar o turismo de base comunitária, formal e informal, desenvolvido pela população local como alternativa de renda, que leva em consideração respeito e sustentabilidade social e ambiental? Como fica a história e a cultura da população?

“A maioria da nossa renda vem da pesca, um comerciozinho ou outro, mas a atividade principal é a pesca. Queremos que todo mundo ouça nosso grito, que isso também está acontecendo com os quilombolas, os indígenas e outras comunidades pesqueiras. As grandes corporações vão chegando e não respeitam os nativos, já são programadas para construir hotéis e pousadas, querem expandir a área turística não pensando no bem nem na sustentabilidade da comunidade, mas sim no grande comércio”, aponta Leonete, que é articuladora da Rede de Educação Cidadã (Recid) e participa de um coletivo de mulheres na comunidade que atua com artesanato, costura.

O povoado que vive basicamente da pesca de lagosta, camarão e peixe, sabe bem as necessidades do lugar. Diferente dos grandes empreendimentos que não tem a menor preocupação ambiental ou social. Corporações, geralmente estrangeiras, que chegam para roubar o lugar de quem mora na localidade desde sua origem. Esse é mais um drama vivido por uma comunidade que enfrenta ameaças e perigos, como a violência que transformou barracos de moradores em chamas.

– Isso é um crime a pessoa fazer uma coisa dessa.
– Eu vou buscar meus direitos.
– A gente tá salvando o que sobrou.
– Arrancaram o pé de cajueiro, tocaram fogo.
– Só tem uma coisa, eu vou saber se não existe justiça, porque isso aí é uma coisa de justiça, de polícia.

Esse foi o sentimento de revolta de uma moradora diante da ação criminosa que queimou barracos na comunidade de Enxu Queimado na noite de sexta-feira (07/8). Ficaram os escombros.

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