Charge: Carlos Latuff
Antes da pandemia a cultura e seus artistas já eram vítimas de todo tipo de ataque por parte do atual governo com atos de censura, desqualificação de políticas públicas e até extinção do ministério, que passou a ter status de uma secretaria especial manipulada por outros ministros – primeiro, da Cidadania, depois do Turismo.
O ESTADO DE ÓDIO foi transformado em política de estado de um governo adepto da ignorância. Nesse cenário, a cultura passa a ser um alvo preferencial do desmonte público. Vem a pandemia da Covid-19 e dá o golpe decisivo, deixando a cultura fora de combate. Em coma. “A luz apagou, o povo sumiu”
SEM NENHUM SHOW em execução, fazedores de cultura respiram em meio a agonia generalizada. Artistas de todas as áreas culturais reinventam novas formas de seguirem com o pé na estrada na tentativa de superar os desafios que têm pela frente. Em junho de 2020 é sancionada a Lei 14.017 de apoio à cultura, chamada de Aldir Blanc (LAB) em homenagem ao bravo compositor brasileiro que faleceu em maio do ano passado.
NA AVALIAÇÃO DO MOVIMENTO NACIONAL Sou 1 de 11 milhões de Trabalhadores da Cultura, “a Lei Aldir Blanc foi a vitória dos partidos que historicamente atuam a favor da cultura e significou, de certa forma, uma vitória sobre o pensamento obscurantista do governo atual”. O movimento que surge como mobilização popular com o propósito de reafirmar o respeito pelos trabalhadores da cultura, analisa que “o setor das artes hoje acumula uma perda análoga de mais de 80 fabricas da Ford em empregabilidade e investimento. Certamente o empenho do recurso destinado pela LAB ofereceu um respirador para uma parte do setor ganhador dos benefícios, mas acima de tudo trouxe uma nova percepção de possibilidades de sua viabilização, como um impulso efetivo das novas relações da Cultura x Estado”.
Afirma, também, que “o sistema público de apoio à cultura sempre utilizou, de forma covarde e dirigista, a falta de conhecimento e capacitação dos seus trabalhadores e profissionais, mantendo seus redutos de interesse através de propostas ‘chamadas’ democráticas de distribuição de recursos via editais esquizofrênicos e contratações mal explicadas e desnecessárias para importantes polos culturais espalhados em todo o território nacional”.
Na opinião do movimento a execução da Lei Aldir Blanc ressaltou “a falta de diálogo, competência e proximidade dos gestores públicos”. Um cenário que revelou não somente insensibilidade, mas também os preconceitos estruturais em relação aos trabalhadores e suas necessidades.
“O caso do RN não foi diferente, a falta de transparência nos processos vem esgotando as forças dos trabalhadores locais que se encontram sem amparo devido a respostas não concretas e aplicação indevida dos recursos da LAB. Aliás, não houve Estado que não tivesse se confrontado com importantes reações das comunidades culturais quanto ao mal uso dos recursos e editais mal elaborados, sendo que ainda estão pendentes de liberação para apoio mesmo diante de um setor que está estagnado, mas que em 2019 representou 2,6% do PIB Nacional”, observa o Movimento Nacional Sou 1 de 11 milhões de Trabalhadores da Cultura.
Esclarece ainda que desde outubro de 2020, vem recebendo denúncias, em âmbito nacional, de má utilização das verbas, pagamentos de projetos contemplados que não saíram até hoje, erros de gestão inadmissíveis. Um panorama do que realmente está acontecendo no país “diretamente da boca do trabalhador da cultura, que é quem está vivendo na pele todas essas questões”.
EM MEIO A TODA ESSA CRISE muitos fazedores de Cultura continuam enfrentando dificuldades pelo Brasil afora. O repasse dos recursos da Lei Aldir Blanc no valor de R$ 3 bilhões a estados, municípios e Distrito Federal não foram suficientes para socorrer o setor em seus mais diversos segmentos. Ainda mais considerando que a excessiva burocracia foi uma pedra no meio do caminho para muitos projetos culturais que foram inabilitados e jogados na rua da amargura.
DADOS DO RELATÓRIO parcial da Lei Aldir Blanc revelam que até o final de 2020, ainda restavam R$ 1,4 bilhões em conta (49% do montante disponibilizado pelo Governo Federal). Diante deste cenário, foi editada a Medida Provisória – MP 1019/2020, que permitiu a continuidade da execução financeira no ano de 2021 dos recursos empenhados e inscritos em restos a pagar em 2020. A medida possibilitou que aproximadamente R$ 700 milhões fossem pagos entre janeiro e março deste ano.
Ao avaliar as ações desenvolvidas pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo relacionadas à Lei Aldir Blanc, uma auditoria do TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU) ocorrida em maio passado, entendeu que “os recursos repassados ao setor cultural, por se tratar de transferências obrigatórias da União, podem ser utilizados até o final de 2021, mesmo que não tenham sido empenhados e inscritos em restos a pagar em 2020, considerando o que estabelece o parágrafo único do art. 8º da LC 101/2000 – LRF.
Segundo a matéria publicada no portal TCU, na mesma data do Acórdão, “A Lei 14.150/2021 – que modifica a Lei Aldir Blanc e também prevê a possibilidade desses recursos em 2021, independentemente da inscrição em restos a pagar em 2020 –foi vetada parcialmente. Dessa forma, a regulamentação anterior que condicionava a execução em 2021 à prévia inscrição em restos a pagar foi mantida. Tal situação pode tornar-se fonte de insegurança jurídica para os gestores subnacionais e deverá ser objeto de monitoramento do Acórdão 1118/2021 – Plenário”.
De acordo com o PAINEL DE DADOS DA LEI ALDIR BLANC, atualizado em 18/10/2021, ainda resta um saldo de 628,7 milhões em contas dos estados e municípios. O RN executou 84,9% dos R$ 33,2 milhões recebidos do governo federal, restando o saldo em conta no valor de R$ 5 milhões.
Cipriano Carvalho, DIRETOR FINANCEIRO da Fundação José Augusto (FJA), esclarece que “esses cinco milhões que tem aí” é a soma da sobra de R$ 1.809.785,21 mais R$ 1.521.000,00 do auxílio emergencial cultural. “Essa diferença são impostos dos processos que foram descontados e ainda não repassados para o estado de volta, isto quer dizer, quando desconta o imposto de renda dos beneficiários aí repassa ao estado, uma parte ainda está sendo repassada. Essa diferença ainda está na conta, mas não é mais nossa, é na verdade da Receita Federal”.
Cipriano explica que nesse caso da reversão foram os municípios que não executaram a Lei Aldir Blanc e que deveria devolver tais recursos aos estados. “Isso aconteceu em 2020 e chegamos a ter esses 1.114.774,00 na conta. No decreto seguinte foi comunicado que deveríamos devolver esses recursos aos municípios. Então, com a possibilidade de execução desses recursos em 2021 o dinheiro da reversão foi novamente repassado aos municípios”.
SEGUNDO A “PRESTAÇÃO DE CONTAS Anuais do Governo do Estado do Rio Grande do Norte 2020”, foram destinados R$ 32.129 milhões dos recursos da Lei Aldir Blanc ao setor cultural. O documento ainda apresenta uma despesa empenhada no valor de R$ 32.893 milhões.
Em resposta à solicitação do Coletivo Foque sobre os dados financeiros da Lei Aldir Blanc no RN, a FJA informou que foram destinados R$ 3.000.000,00 para auxílio emergencial de cultura. Até o presente foi pago 1.479.000,00, restando para os habilitados 1.521.000,00. “Destas pessoas temos o cadastro aprovado, mas as mesmas não foram localizadas”, afirma Cipriano referindo-se à cerca de 200 pessoas que deveriam ter recebido o auxílio emergencial da LAB, mas que a FJA não está conseguindo encontrar.
Ainda de acordo com a contabilidade da FJA, o valor total dos editais da Lei Aldir Blanc no estado foi 32.128.654,90, subtraído os R$ 3.000.000,00 do auxílio emergencial cultural, restou R$ 29.128.654,90, o qual foi totalmente empenhado em 2020. Parte foi pago ainda no referido ano e o que não foi possível pagar até 31 de dezembro de 2020 foi inscrito em restos a pagar para 2021.
O setor financeiro informou também que vários proponentes renunciaram seus prêmios em função da quantidade de projetos aprovados, atendendo ao regulamento. “Ainda tem uma sobra de R$ 1.809.785,21, que poderia ser destinado a este fim se não houvesse um impedimento do governo federal, através de decreto, para executarmos os valores empenhados no exercício anterior”, explica o diretor financeiro.
O COORDENADOR DE EDITAIS Ronaldo Costa informou que ao todo foram 2.609 premiações relacionadas aos editais da Lei Aldir Blanc no RN, somando R$ 27.285.500,00 (Vinte e sete milhões, duzentos e oitenta e cinco mil e 500 reais).
O DIRETOR GERAL DA FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO, Crispiniano Neto, confirma que o decreto que regulamenta o uso dos recursos residuais impede o Rio Grande do Norte de usar o saldo da verba que foi executada, pois o que está empenhado não pode ser usado nem anulado, por isso não será possível a continuidade dos editais. “Todos os inscritos foram contemplados”, diz o gestor.
“Os estados que estão fazendo editais agora são os que não empenharam no momento devido, que era 31 de dezembro do ano passado. Um ou outro pode ser a questão da lei estadual, porque aqui foi um decreto, naquele momento não tínhamos prazo para criar uma lei porque era preciso enviar para a Assembleia Legislativa. O estado que tinha a lei levou vantagem”, relatou Crispiniano acrescentando que tentou anular os empenhos para fazer novos editais, mas não foi autorizado. “Todas as alternativas possíveis para continuidade dos editais já foram esgotadas. Mas estamos na luta para tentar reverter esse quadro de estagnação a que chegou por questões jurídicas e contábeis”.
Durante reunião com uma comissão de trabalhadoras e trabalhadores da cultura no último dia 15, Crispiniano apresentou a proposta da criação de um Observatório da Lei Aldir Blanc com a participação de trabalhadoras e trabalhadores da cultura. Além disso, informou que o uso dos recursos remanescentes da LAB será levado à reunião do Fórum Nacional dos Secretários de Cultura. Diante da urgência da situação, adiantou que vai propor uma reunião virtual antes do encontro presencial em Brasília, que está marcado para 9 de novembro.
Entre os encaminhamentos apontados na reunião estão a possibilidade de contatos com os demais estados para fazer um levantamento sobre a aplicação da sobra de recursos da LAB em todo o país. Além da proposta de procurar deputados e senadores do estado para fazer pressão política na tentativa de alterar a Lei Aldir Blanc, através de decreto do governo federal que permita a utilização do saldo em conta, que foi empenhado e inscrito em restos a pagar pelo governo do Estado.
“POR QUE SE CHEGOU A ESSA SITUAÇÃO?”, questiona o cordelista Nando Poeta acrescentando que o movimento sempre buscou a gestão para tratar da continuidade da Lei Aldir Blanc, mas que não existiu essa possiblidade. Para ele, o ofício e a carta com mais de 160 assinaturas encaminhadas ao governo do Estado foram muito importantes, pois possibilitou a reunião na Fundação José Augusto, “que revelou de fato o que estava acontecendo”.
Na sua opinião, a administração se fechou e não abriu o jogo com o movimento artístico. “Se tivessem revelado a realidade, talvez tivéssemos mais tempo para desenvolver uma campanha de pressão aos órgãos envolvidos. Toda essa movimentação estava acontecendo de forma subterrânea, trabalhando as formas, os problemas e nunca parou para socializar essa problemática com o movimento. O governo estadual demonstrou que não tem conhecimento da realidade dos demais estados. Não tinha nenhum plano de ação para fazer a pressão política. Para o governo tudo é difícil, mas vamos continuar no foco, que é aplicar os recursos da lei”.
NA AVALIAÇÃO DA PRODUTORA CULTURAL e advogada Paula Lima, o RN foi um dos poucos estados, talvez o único, a inscrever toda a verba recebida em restos a pagar. “Sendo que a administração pública, ao que tudo indica, já pagou todos os projetos que poderiam receber verbas pelas regras que ela própria – Fundação José Augusto/Governo do Estado – estabeleceu e o montante que sobrou não poderá ser aplicado em novos editais, até segunda ordem”.
Ela aponta a situação apresentada pelos gestores públicos, em que algumas pessoas inicialmente contempladas pelo auxílio emergencial desistiram por receberem outros benefícios ou valores que juntos ultrapassariam o teto estabelecido pela Receita Federal, “o que implicaria em devolução”. Cita ainda casos de “pessoas que foram consideradas impossibilitadas de receber por terem sido posteriormente apontadas pelo governo federal como não habilitadas, visto ter passado na primeira peneira, mas, só após terem sido identificadas como beneficiárias de outro auxílio ou situação incompatível com a percepção dos recursos para auxílio emergencial da Lei Aldir Blanc”.
Paula Lima explica que “os respectivos recursos, os quais se achou que caberiam a essas pessoas, foram empenhados e inscritos em restos a pagar pela gestão pública em 2020, o que afirma ter inviabilizado a utilização dessa verba para outras finalidades”.
Esclarece ainda que havia uma limitação para recepção de recursos nos editais da LAB. “Era possível inscrever, em geral, entre 1 a 2 projetos por pessoa e por edital, mas apenas 1 dos projetos inscritos poderia ser contemplado por edital e no máximo 3 por pessoa em todos os editais, exceto pelo de aquisição/doação de livros, que permitia a percepção de uma premiação a mais”. Além disso, o edital de publicação permitiu a percepção de mais de 1 prêmio. “Neste caso, poderia ser inscrito e selecionado mais de 1 projeto neste edital, mas com a limitação de ser recebido, no máximo, 3 prêmios por pessoa, já somando-se aos demais editais. Entretanto, no geral, uma mesma pessoa inscrita no CPF ou CNPJ não poderia receber mais de 3 prêmios da LAB, um por edital”.
A produtora cultural aponta que “houve uma falha no cruzamento de dados, já que é de praxe existir editais em que se pode inscrever mais de uma proposta, mas cabe a aprovação de apenas uma. Então, seria responsabilidade da administração pública a exclusão das propostas sobressalentes. Os recursos foram inscritos num montante maior do que os editais comportavam. Não foi feito o controle de quantos projetos poderiam receber e constar no cadastro de reserva”.
Paula lembra que “a única solução apontada pela gestão pública que possibilitaria novas premiações, editais ou auxílios, é a edição de decreto pelo Governo Federal que possibilite a utilização dos recursos empenhados para finalidade diversa da prevista no empenho – os quais não tinham destinatário válido”.
Ela conclui afirmando que “por esses motivos, provavelmente, não teremos novos editais nem segunda fase nem uso dos recursos da Lei Aldir Blanc que sobraram no Rio Grande do Norte”.
PARA O CORDELISTA Hélio Gomes, as políticas culturais do país ainda carecem muito de preparo técnico e de uma participação daqueles que fazem a cultura. “Tanto que no caso do Rio Grande do Norte, algumas prefeituras não executaram a Lei Aldir Blanc porque não tinham técnicos preparados para aplicar e utilizar os recursos adequadamente para atender a legislação. Tudo isso causou um certo impacto, um certo medo. Então, várias prefeituras preferiram devolver os recursos. A Fundação José Augusto também sentiu esse impacto porque não estava preparada para responder adequadamente as exigências da legislação”.
Ele avalia que a Fundação adotou a medida de fazer o empenho de toda a verba como uma forma de assegurar todos os recursos aqui e não voltar nada para o governo federal. “Mas não pensaram bem na hora de incluir todos os contemplados porque caiu no dispositivo legal, que não podia colocar mais de três pessoas de acordo com a lei. Eu, por exemplo, fui contemplado em quatro projetos e tive que abrir mão de um. Não era para ser assim. O fato é que ocorreu isso, o que demonstrou um certo despreparo da equipe em lidar com essas questões técnicas”.
Hélio aponta que não tinha uma legislação apropriada, “tanto é que se basearam na Lei 8666 de licitação pública como referência legal e terminou enquadrando essa situação da LAB dentro dessa outra lei”. Na sua opinião, a atual gestão “quer acertar, agora, claro que há erros”. A isso ele acrescenta que o diretor geral da Fundação José Augusto, Crispiniano Neto, “é uma pessoa de conversa, de diálogo”. E observa que ao confiar muito na burocracia, na lei, essa foi uma perda de oportunidade que a gestão teve de compartilhar responsabilidade. “Tanta burocracia excluiu muitos artistas que precisavam. Agora, por outro lado, veja onde entra também os nossos erros quando somos de certa forma inoperantes, ainda esperamos que uns defendam os outros, uns façam o trabalho do outro. Nós artistas, poetas, fazedores de cultura, estamos ainda muito mal acostumados, não temos a cultura de gritar e de fazer as cobranças que deveriam ser feitas e de contrapor a gestão de forma sistemática, organizada, um estado ainda muito iniciante nesse processo da fiscalização, do controle social.”
A PSICÓLOGA E PRODUTORA CULTURA Marcelle Janine fala que o cenário da Lei Aldir Blanc no Rio Grande, embora tenha dado algum conforto para muitos trabalhadores e movimentado o setor, a maneira como os recursos foram gerenciados gerou muita frustração. “Aqui em nosso território ainda tem um abismo muito grande entre a gestão e a classe trabalhadora na construção de políticas públicas. Parece que a gestão está num canto e os trabalhadores no outro, enquanto que precisaríamos estar construindo juntos”. Ela conta que os editais foram muito sofridos devido à falta de comunicação. “Entendo as dificuldades da falta de recursos humanos e experiência, mas acho que isso é um alerta. Não dá mais para ficar tratando o setor cultural como algo que não merece um corpo técnico qualificado, que fica no fim da fila da prioridade e só aparece para enfeitar outras políticas”.
Ao comentar a estratégia da Fundação José Augusto de empenhar todos os recursos, considera impossível que esse dinheiro empenhado fique parado em caixa se tem alguém que iria receber e até foi prestado contas ao governo federal. “Quem são esses CPF/CNPJ que na teoria justificam esse empenho, mas que na prática não podem receber por tal motivo? Esse é um cenário muito esquisito. Enquanto sociedade civil organizada na forma de coletivo ou movimento podemos ter acesso de forma transparente às políticas públicas, como no caso dos recursos da Lei Aldir Blanc no RN, sem passar por essa burocracia que a Fundação José Augusto impõe como se ela fosse detentora de um segredo. A informação é pública, o dinheiro é público e veio do governo federal para as mãos dos trabalhadores, não está indicado que o Estado pode tirar uma fatia para gastar com não sei o quê”.  
O FOTÓGRAFO João Oliveira diz que a sociedade civil teve que se mobilizar e “bater na porta da governadora” para modificar bastante coisa ainda na primeira fase da Lei Aldir Blanc no RN. “A gente teve um edital de fomento que não existiria”, outro de “quatro milhões que acabou sendo quase sete, porque teve muita inscrição, o maior edital, que não ia existir. Nessa segunda fase, a gestão não está dizendo o que aconteceu com os recursos remanescentes e a gente precisa ter informações mais transparentes, até para saber como vai ficar essa situação, porque o gestor está numa posição muito cômoda. O setor cultural ainda não entendeu que a LAB 2 não vai acontecer”.
Para ele, “o maior erro foi que o governo não criou um canal como aconteceu no primeiro momento com uma comissão mais ampla e a presença do gabinete civil e parlamento para acompanhar a LAB. Depois, isso se desfez e voltou para a Fundação José Augusto que não dá resposta e é pouco transparente. Para conseguir uma resposta em relação a isso só com muita pressão mesmo”. Ele lembra que neste ano o estado não teve orçamento para fomento direto à cultura sem ser a LAB.
O ARTISTA VISUAL Novenil Barros afirma que a Fundação José Augusto precisa dar explicações claras e transparentes sobre o que foi feito da verba que voltou para a Fundação. Ele chama a atenção para a questão da transparência: “É isso que a Fundação nos deve”. Como também reforça que a Lei Aldir Blanc é fruto de um movimento criado pelos artistas e não por pessoas individuais. “O que estamos cobrando não pode ser classificado como fake News de forma alguma porque temos todo o direito de estar cobrando”.
Ele sugere que essas cobranças sejam feitas tanto à Fundação como à Governadoria, ao Ministério Público e demais instâncias responsáveis, como a Secretaria da Fazenda”. E também nacionalizadas, “porque a Lei Aldir Blanc não é só do Rio Grande do Norte, então, todas as pessoas precisam saber o que está acontecendo sobre essa situação que é a questão dos restos a pagar, que não vai ser fácil de resolver, mas se volta para o caixa da Fundação, que seja revertida para a comunidade artística”.
SEGUNDO A CONSELHEIRA FISCAL E PRODUTORA CULTURAL Cintia de Almeida, que é especialista em elaboração de projetos para as Leis de Incentivo à Cultura, “o dinheiro empenhado, que não é gasto, fica para a secretaria de cultura”, no caso do RN é a Fundação José Augusto, que deve prestar contas do desempenho. “Esse dinheiro não volta para o governo federal” e ao retornar para a gestão estadual pode ser gasto “sem concorrência pública, sem edital, então, tem que ter muita atenção a isso”, alerta.
UMA NOVA RODADA de editais da Lei Aldir Blanc permitiria a continuidade de atividades culturais, contribuindo para alimentar a arte e muitos dos seus artistas, além de reconhecer mestres, mestras e demais trabalhadoras e trabalhadores da cultura.
VALE LEMBRAR que o compositor Aldir Blanc, que dá nome à Lei de apoio à cultura, foi uma das vítimas da Covid-19, em meio a uma vaquinha organizada pela família na tentativa de suprir o estado de abandono. O artista que encantou e mobilizou o povo brasileiro com versos que se transformaram em hino da anistia e bandeiras de luta pela redemocratização, em plena ditadura militar, morreu à míngua, desamparado pelo seu país. Assim, igualmente a uma lista interminável de artistas, também, ora desamparados.
O TOM AMARGO orquestrado pelo desrespeito do poder público com os fazedores de cultura é sacudido pelas palavras do poeta Thiago de Mello, “Faz escuro, mas eu canto”. Ou contrariado pelo direito ao “grito puro e sem pedir esmola”, como escreveu a escritora Clarisse Lispector.

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