Vito Giannotti, um comunicador porreta.

Neste 3 de abril de 2009 os jornalistas Rogério Marques e Bruno Rebouças, do Coletivo Foque, bateram um papo do cacete com Vito Giannotti. Autor de mais de 20 livros, ele é um dos fundadores do Núcleo Piratininga de Comunicação, criado em 1992, juntamente com uma turma de comunicadores da pesada.

Vito Giannotti. Fotografia: Rogério Marques
Italiano vivendo há 40 anos no Brasil Gianotti recebeu nossa reportagem no auditório do Sindsaude/RN em pleno horário de almoço. Durante o bate-papo chama a atenção para a importância de uma comunicação destinada aos trabalhadores. Uma comunicação voltada para o entendimento da classe. Do jornal impresso à internet. Sua maior crítica diz respeito ao vocabulário especializado, como o politiquês, o juridiquês e o economês, que toma conta do movimento social. “É um dever dos jornalistas traduzirem essas expressões conhecidas apenas por um determinado grupo. Não tem por que dizer Na conjuntura atual, se você pode dizer na situação atual.
FOQUE  Existe democracia na mídia?
VITO GIANNOTTI – É claro que não. Não há nenhuma democracia na mídia. Nenhuma. Na mídia impressa é inútil procurar democracia. O jornal O Globo é do Roberto Marinho, lá de onde ele estiver. A Folha de São Paulo é dos Frias. O Estadão é dos Mesquitas e a Veja é dos Civitas. Não tem conversa. Eles escrevem o que querem. Não tem sentido reivindicar democracia. De quem? Dos nossos inimigos. Da burguesia? Não tem democracia. A democracia com a mídia escrita é, nós trabalhadores, fazer a nossa comunicação, a nossa mídia, os nossos jornais. Ninguém nos impede de termos o nosso jornal.

“Em 1990 existiam no brasil seis sindicatos com jornais diários. Hoje há dois. Quem é que impede aqueles quatro que não tem mais de ter um jornal diário? Não é falta de dinheiro, absolutamente. Há um sindicato que tinha jornal diário, o Sindicato dos Bancários (SP), por exemplo, com uma receita fabulosa, que daria para ter jornal diário duas vezes ao dia. Hoje não tem mais. Mas não foi falta de dinheiro. Então, sobre a mídia escrita, não tem sentido reivindicar democracia”.

Reivindicar democracia para a mídia escrita é, realmente, partir de uma ilusão que a mídia é neutra, que a mídia não tem lado, que a mídia está aí para noticiar, para informar, para divulgar determinados fatos, acontecimentos ou opiniões. Não é nada disso. A mídia é um instrumento de dominação, um poderosíssimo instrumento, essencial para impor e garantir sua hegemonia. Então, você não vai poder reivindicar do inimigo que ele te dê espaço. O inimigo só dá espaço nos seus jornais, se é para iludir o conjunto da classe que ele está sendo democrático, que ele está sendo amplo, está sendo neutro. Por isso que dá espaço, às vezes, a personalidades de esquerda para escrever um artigo na página três da Folha. Para mim é uma grande ilusão. A ilusão que, com aquele artigo, que você escreve hoje e daqui a um ano escreverá outro, você conseguiu colocar a sua ideia. Isso é uma imbecilidade. Nós vamos conseguir colocar nossas idéias quando tiver um jornal diário.
FOQUE  Por que a esquerda não tem um jornal diário?
VITO GIANNOTTI – No Brasil, já se teve jornal diário, em 1919. Dois jornais diários. Um em São Paulo, outro no Recife. Em São Paulo durou 40 dias, A Plebe, foi fechado pela polícia. Jornal de cinco mil exemplares diários. De maio a outubro de 1919, foi impresso, distribuído um jornal diário chamado A Hora Social. Gente, não tinha dinheiro nenhum, não tinha estrutura nenhuma, mas se fez jornal. Outro exemplo: o Partido Comunista em 1946. Época de redemocratização, logo depois da segunda guerra mundial. O partido comunista queria divulgar suas ideias, afirmar suas ideias. E chegou a ter oito jornais diários. Naquele tempo não tinha internet, que era fácil fazer um jornal aqui em Natal e reproduzir em Mato Grosso ou em Porto Alegre.
Naquele tempo era muito mais precário, muito mais difícil. No entanto, o Partido Comunista chegou a ter oito jornais diários. No Rio de Janeiro, tinha o jornal Tribuna Popular. Era um jornal com vinte mil exemplares diários. A mesma tiragem do jornal Correio da Manhã. Era o jornal mais lido do Brasil. Tinha a Folha de Alagoas, O Povo. Tinha no Recife, no Ceará, em Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e no Espírito Santo. Quer dizer, oito jornais diários. Algum engraçadinho vai dizer: – Mas era com ouro de Moscou. Graças a Deus que era com o ouro de Moscou. Eu gostaria que houvesse ouro de Moscou, de Pequim, do Satanás, não interessa de quem, para fazer o nosso jornal. Estou falando de alguma coisa de esquerda, não estou falando de empresário.
Era dinheiro que vinha da solidariedade comunista internacional. Não interessa se era stalinista. Estou dizendo que o Partido Comunista se preocupou em usar o ouro de Moscou não para mordomia, não para corrupção, mas para fazer jornal. Isso é a nossa experiência. Veio a ditadura, fechou os jornais de esquerda, tal…

“Foram feitos, durante a ditadura, 150 jornais alternativos. Por quê? Por que era inútil você pedir espaço no Estadão, na Folha de São Paulo, no Globo, todos os jornais a favor da ditadura, que implantaram a ditadura, defenderam a ditadura, apoiaram a ditadura até o fim. Vai pedir democracia? Nada. O que fez a esquerda? Criou 150 jornais. Só para ter noção, jornais feministas havia três. Mulherio, Nós Mulheres e Brasil Mulher. Hoje, qual é o jornal feminista que existe? E nós vamos reclamar de quem? Por que não temos dinheiro? Mentira. Tem dinheiro de sobra”.

FOQUE  O que falta para termos um jornal diário?
VITO GIANNOTTI – Falta perder a ilusão de classe que a burguesia vai nos garantir espaço, que a burguesia vai nos dar democracia. E falta aprender a lição mínima da história dos trabalhadores – quer divulgar suas ideias? Faça o seu jornal. Falta aprender a lição mínima do Lênin, de 1901, quando ele escreveu um grande artigo, no jornal Isgra. Um artigo longo que se transformou no livretinho Por onde começar. Qual é a resposta do Lênin? – Com um jornal para toda a Rússia.
Esse é o primeiro passo. E nós, hoje, esquecemos essa lição. Aí ficamos reclamando e xingando a grande mídia, xingando os jornais da burguesia. Não tem que xingar, eles estão na deles. Nós que não estamos na nossa.
FOQUE  Durante a oficina aqui você fala muito sobre a linguagem. Porque não basta construir uma estrutura de comunicação, um jornal diário, mas tem que construir uma comunicação que seja compreendida pelos trabalhadores…
VITO GIANNOTTI – Claro. Nós temos a tradição, a atitude generalizada de dizer – O que conta é a política. Mas é claro que o que conta é a política. É claro que o principal é ter uma política e lhe levar a aplicá-la, de divulgá-la. Mas de que adianta ter uma política… Nós estamos no Brasil, onde se fala português. Nós definimos uma maravilhosa política. Um grupo de esquerda, um partido de esquerda, um bloco de esquerda, seja o que for. Definimos uma política corretíssima. Aí a publicamos num jornal escrito em chinês. Ué! Nós somos débil mentais. Podemos publicar um jornal escrito em árabe. Somos debilóides. Por quê? Porque no Brasil, uma em cada mil pessoas deve ler o árabe, o chinês.
FOQUE – O que nós temos que fazer?
VITO GIANNOTTI – Se nós definimos nossa política, temos que publicar ela em português. Mas não é qualquer português. Tem que ser um português que seja compreendido pelo público ao qual nos destinamos. Eu brinco… tem três principais na nossa comunicação, no jornal que a gente faz. O principal, principal, principal é o conteúdo. Ok! Tem que ser um conteúdo capaz de fazer a disputa de hegemonia na sociedade. Capaz de apresentar nossa visão de mundo. Capaz de apresentar a nossa proposta de sociedade. Isso é o principal. Principalíssimo. Tem outro principal, principalíssimo. Igualzinho. Se você não apresentar isso de uma forma bonita, agradável, convidativa, que estimule as pessoas a pegar aquele jornal, a ter na mão e ler, não adianta se ter a a melhor política do mundo se você se apresenta num jornal que ninguém tem coragem de ler.
FOQUE – Qual é o problema da cara, da beleza dos nossos jornais?
VITO GIANNOTTI – Estamos num país que tem a desgraça do terceiro canal de televisão do mundo: a TV Globo. Independente do conteúdo, da política, sabemos que é uma política inimiga do povo brasileiro, inimiga dos trabalhadores, o Jornal Nacional, a TV Globo, as novelas da Globo são muito bem feitas, são muito bonitas. E o nosso povo se acostuma com isso. Então, para um povo que está acostumado a ver o Fantástico, que é um lixo do ponto de vista político, não interessa, mas que é muito bonito. O povo que assistiu o fantástico, no dia seguinte recebe o nosso jornal de esquerda, feio, horrível, que não dá vontade nenhuma… O que vai fazer com esse jornal? Vai jogar fora. Então, de que adiantou o principal, principalíssimo, do nosso conteúdo se a forma só serve para fazer jogar fora essa coisa principal, principalíssima.

“Tem uma terceira coisa principal, principalíssima. Igualzinho ao conteúdo. Igualzinho à forma. É a linguagem.”

Repito. Eu posso ter a melhor tese sobre a revolução brasileira, a melhor tese sobre a organização dos trabalhadores, sobre a tomada do poder, sobre a construção de uma nova sociedade. Ok! Eu posso até apresentar isso num jornal bonito, mas se for escrito em sueco ou em norueguês ou em finlandês, pode distribuir na Finlândia, na Noruega, na Suécia, mas não no Brasil.
A linguagem é mais importante que o conteúdo? Claro que não. Claro que é o conteúdo. A linguagem, para mim, é igual ao conteúdo. É uma heresia falar isso. Uma besteira falar isso. É uma bobagem dizer que a linguagem é tão importante quanto o conteúdo. Mas é uma bobagem muito séria. Por quê? Não adianta divulgar o conteúdo se é dito em chinês. Então, temos três tarefas enormes. Eu diria quatro.
A primeira, é ter um conteúdo capaz de disputar a hegemonia da sociedade. Conteúdo político à altura da nossa perspectiva política. Segunda, apresentar isso de uma maneira muito bonita. Terceira, escrever uma linguagem que o povo, que eu quero atingir, entenda. Quarta, eu diria que é a primeira de tudo, nós temos que ter nossa comunicação. Cadê nosso jornal diário? Cadê nosso jornal semanal? Cadê nosso jornal quinzenal? Cadê nosso jornal mensal? Vamos reclamar pra quem? Pro Papa, pro Bispo, pro satanás, pra Deus, pra quem? Quem nos proíbe de fazer um jornal semanal? Ninguém.
FOQUE Mande um recado para as lideranças do movimento social, entidades, partidos…
VITO GIANNOTTI – Vamos criar um jornal diário. Não me venha os idiotas dizer que o jornal está sendo superado, que o jornal acabou, que a internet vai substituir. Pergunta isso para o bispo Macedo. Veja, a estatística do Brasil diz que 4,5% das pessoas leem jornal no Brasil. Vamos dizer que 95% não leem jornal. Mesmo assim, o bispo Macedo se atreve a fazer 2 milhões e setecentos mil jornais semanais, o jornal da Igreja Universal. Para que ele está fazendo se 98%, 99% do público da igreja dele nunca comprou jornal?
Por que, mesmo se lendo pouco no Brasil, temos que fazer jornal? Temos que divulgar nossas ideias. Diga-se de passagem, o jornal do bispo Macedo é muito interessante. A maioria dos jornais sindicais de esquerda que eu conheço teria que aprender muito com o jornal do bispo Macedo. Duas milhões e setecentos mil pessoas recebem esse jornal. Por que não recebe o nosso jornal de esquerda? Não teríamos 2 milhões e 700 mil, porque não temos o dinheiro do bispo Macedo, não vou entrar no mérito. Mas poderíamos fazer 200, 300 mil. Mas porque não fazemos? Quem nos proíbe? A democratização da mídia não tem nada haver. Nós temos toda democracia possível para poder fazer um jornal.
Tem sindicatos que publicam 60 mil jornais diários, os metalúrgicos de São Bernado (SP). Os bancários de Salvador (BA) publica dez mil jornais diários. Nem por isso eles descuidam da internet. Além da página atualizada constantemente, tem dois boletins eletrônicos diários.
// O nosso coletivo agradece a importante contribuição de Vito Giannotti para a comunicação livre e independente.

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