20 de novembro: Dia de celebrar a resistência e as conquistas do povo negro. E os outros 365 dias, como vivemos e o que fazemos?

Zumbi, comandante guerreiro
Ogunhê, ferreiro-mor capitão
Da capitania da minha cabeça
Mandai alforria pro meu coração
(Zumbi:  a Felicidade Guerreira / Gilberto Gil)
Esta música retrata a força, resistência, persistência e a coragem do grande e último líder de Palmares, Zumbi. Que no amanhecer de 20 de novembro de 1695, caiu morto. Zumbi morreu pelas mãos dos Bandeirantes e suas tropas, mas mesmo ferido de morte, não se rendeu, não se entregou e nem recuou. “Zumbi lutou com bravura, até cair morto nas mãos assassinas dos Bandeirantes, morreu em combate, matando um homem, ferindo outros, mas jamais se rendendo”. (Munanga; Gomes, 2016).
Fotografia: Rogério Marques // Coletivo Foque
Relembrar este dia nos faz rememorar a luta e resistência de Zumbi dos Palmares e do povo negro no regime escravista. A data nos remete a celebrar a morte, como símbolo de vida e de coragem de nossos ancestrais, homens e mulheres negras/negros, que lutaram desde sempre contra o fim da escravidão, o tráfico negreiro, a objetificação dos negros como mercadoria e moeda de troca do mercado europeu, contra as barbárie e violência e a desumanidade praticada pelos colonizadores.
Barbárie e desumanidade esta que pode ser descrita na forma e no trato no corpo de Zumbi dos Palmares, que foi motivo de todo o tipo de crueldade e desumanidade por seus algozes colonizadores, como descreveu o historiador, professor e escritor Joel Rufino dos Santos, no livro “Zumbi”. Olhos arrancados, mãos decepadas e várias perfurações de bala no corpo, dentre outros aspectos grotescos e violentos em sua morte para lembrar o “poder e privilégio na captura dos negros escravizados”. Uma cena cruel e que nos remete a algumas similaridades nos dias de hoje, quando dos assassinatos e chacinas de jovens negros das periferias brasileiras.
E isso, nos faz refletir o quanto a escravidão e a colonização foram responsáveis pelas marcas dos acoites visíveis e invisíveis em nossos corpos. Tortura  e morte de milhares de negros escravizados, onde foram sequestrados de sua humanidade e  dignidade, o que  marcou para sempre vidas pretas, deixando o legado da exclusão, segregação racial, pobreza, desigualdade e da opressão, discriminação e abandono de toda uma população que sente na cor da pele os efeitos deste período de violência e crueldade.
Tem uma música do cantor, compositor e ativista baiano Lazzo Matumbi, denominada “14 de maio”, que retrata muito bem este legado da escravidão e suas consequências na vida do povo preto deste país, pois ela retrata o que aconteceu com o povo negro após o fatídico dia da “Abolição da Escravidão em 13 de maio de 1888, a conhecida Lei Aurea, que concedia a liberdade dos escravos no Brasil, pela então Princesa do Brasil, Isabel. Uma Liberdade concedida no papel, mas que de fato nenhum benefício político, social e estrutural foi concedido, para estruturar esta nova fase “livre”. Que diga-se de passagem, o Brasil foi o último a abolir a escravidão!
No dia 14 de maio sai por aí,
Não tinha trabalho, nem casa, nem para onde ir.
Levando a Senzala na alma, eu subi a favela,
Pensando em     um dia descer, mas eu nunca desci
Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia
Um dia com fome, no outro sem o que comer
Sem nome, sem identidade, sem fotografia
O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver
A letra da música retrata bem a dura realidade de abandono, exclusão e sofrimento da população negra. Que, como bem conhecemos, vivencia esta realidade, até os dias de hoje. Mesmo representando o maior contingente populacional de mais de 54% entre pardos e pretos, a população negra ainda sofre com a maior taxa de desemprego, miséria e pobreza, além de conviverem com as altas taxas de homicídio e violência praticadas, em sua maioria, pelo Estado Brasileiro, pois, de cada 10 jovens vítimas de homicídio no Brasil, 8 são negros, segundo o Atlas da Violência 2021.
Das 75,7% das vítimas de homicídio eram negras. As maiores vítimas do feminicídio são mulheres negras. As jovens negras são, em sua maioria, vítimas do estupro e da violência sexual. E correspondem a 61% dos lares chefiados por mulheres, mais de 11 milhões em seu total. Sendo elas as que mais estão na linha da pobreza e no mercado informal. Pois, como afirma a professora Dra. Eunice Prudente, da Faculdade de Direito da USP, “É preciso estudos e pesquisas inter-relacionadas entre gênero, etnia e classe social, tendo em vista aos índices de pobreza, como relatam os órgãos do governo, que mostram a situação socioeconômica, a desigualdade social e a família negra”.
Infelizmente, a mulher negra está na base dessa pirâmide e sofre uma tripla discriminação”, como afirmava Ângela Davis, quanto da impossibilidade de pensar um projeto de nação que desconsidere a centralidade da questão racial – Sociedades escravocratas são fundadas no racismo. O que Lélia Gonzalez, professora, filosofa e escritora já denunciava em 1982, que devemos considerar a interseção gênero, raça e classe como pilares de um novo modelo de sociedade.
Ou seja, as consequências e o legado da escravidão estão presentes em todo os lugares e espaços traduzidos na forma do racismo estrutural e institucional, como a letra da música de Lazzo nos lembra, “O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver”. E o racismo institucional que invisibiliza os corpos e silencia a voz, luta e o legado da população negra brasileira. E isso se traduz na   ausência de políticas públicas para estruturar as favelas, que subiu o negro após a escravidão e de lá nunca mais saiu, devido à falta de infraestrutura e assistência do Estado brasileiro para combater as precárias condições sociais e políticas vivenciada pelo povo preto e periférico do Brasil, que nunca foi reconhecido na construção desse País.
Mas, importante se faz lembrar que esta história está sendo reescrita e recontada na voz e no protagonismo das inúmeras lideranças políticas e sociais e de organizações do movimento negro e de mulheres negras que buscam recuperar esta trajetória e narrativa através de sua própria historiografia e oralidade. São muitas iniciativas, projetos e legislações, como a Lei 10.639/2003, a Lei de Cotas, o Estatuto da Igualdade Racial, O Plano Nacional de Políticas Públicas para a Igualdade Racial e tantas iniciativas importantes que têm contribuído para dar voz, reconhecimento, legitimidade a estas lutas e conquistas do povo negro, para que a luta e morte de Zumbi de Palmares não seja um episódio isolado na história e sim a marca viva da resistência, valentia e conquista deste povo aguerrido!

Socorro Silva- Professora do Campus Natal Central do IFRN, pesquisadora do NEGEDI, Educadora popular e ativista do feminismo negro e colabora com o Coletivo Foque em publicações no tema de gênero, raça, feminismo negro e educação.
[adrotate group="3"]

[adrotate group=”1″]

[adrotate group=”2″]

Mais acessadas