por GUTENBERG COSTA // Contador e ouvidor de histórias do povo
Foto cedida: Claudio Galvão
Carnaval com muito sol e alegria nas ruas. Os sujos e mela-mela nas praças e ruas da Cidade Alta e a Ribeira comercial e boêmia. Ninguém falava mais na Primeira Guerra Mundial e na miserável pandemia da Gripe Espanhola. O medo da vez era com a Tuberculose. Bares e Cafés, agitados. Sexo fora dos lares, só na Rua do Arame e Beco da Quarentena. Os costumes franceses. Nas bengalas, cartolas e vestidos longos femininos. A famosa Belle Époque na influencia natalense.
Os principais cronistas das festas momescas ditas de elite. Bailes luxuosos no Teatro Carlos Gomes, da Ribeira e Natal Clube, da Cidade Alta, eram os jornalistas – José Mariano Pinto (1874-1938), Ezequiel Wanderley (1872-1933) e Aderbal de França (1895-1974). As novidades carnavalescas, chegadas do Rio de Janeiro, através de navios, para abastecer as lojas Paris e Dispensa Natalense, do comerciante português Manuel Machado. As batalhas de confetes e serpentinas ocorriam com os grupos de casais da chamada elite da sociedade natalense, na Rua da Palha, atual Vigário Bartolomeu, Cidade Alta.
O povão corria para o centro da Ribeira. Vários jornais humorísticos e carnavalescos nas ruas. As principais agremiações, chamadas de cordões, ranchos e clubes, com seus próprios jornais. Rivalidades entre os grupos de ruas. Desfiles separados em dias e horários diferentes, segundo orientação da Policia. E a saudosa dona Nazaré de Souza, da Rua do Areal, das Rocas, ‘Neném’ (1906-2011), minha entrevistada em 1993, riu muito, sentada em uma rede se balançando e me contando sobre o seu carnaval de 1923. Segundo a lúcida e festeira informante: 1923, foi um carnaval de rua dos mais animados de minha vida!
E segundo o jornal A República de 24 de janeiro, a loja de ‘Manuel Machado’, no bairro da Ribeira, anunciava seus produtos num chamativo clichê com marketing carnavalesco: “Carnaval – quereis ser os primeiros na folia. Quereis ser os preferidos das moças? Usai lança-perfumes – Rigoletto, Brazil, Paris, Royal, Rodo, Vlan…”.
Nessa época, não havia ainda eleição para Rei Momo e Rainha. O festeiro, boêmio e folião Cavalcante Grande, grandalhão e obeso, morador do bairro do Alecrim, já vinha se vestindo há anos, luxuosamente de rei e percorrendo as principais ruas, pomposamente, sem a rainha, em cima de uma carroça, puxada por fortes burros, toda enfeitada e muito chamativa para a época. Os jornais o chamavam de – Sultão. O mestre Câmara Cascudo se refere ao folião Cavalcante Grande como um personagem. Boêmio, festeiro, alegre e inesquecível da Natal pacata de seu tempo. Sem eleição, historicamente, foi o nosso primeiro Rei Momo.
O carnaval do ano de 1923 se deu nos dias 11,12 e 13 de fevereiro. Quanto aos festejos momescos desse ano, quem nos informa é o jornal A República de 28 de janeiro: “Sabemos que uma grande Comissão constituída por elementos do alto comércio da Ribeira, com o concurso dos rapazes do ‘Centro Náutico Potengi’, acaba de tomar a frente dos festejos carnavalescos a serem realizados na Avenida Tavares de Lyra. A banda da Polícia Militar foi contratada para maior realce das festas consagradas a momo. À banda tocará no coreto preparado, das 17:00 às 22:00 horas, durante os três dias, havendo por essa ocasião animadíssimo corso de automóveis artisticamente ornamentados. Na sede do Centro Náutico, haverá danças e batalhas de confetti e lança-perfume, já estando contratada excelente orquestra, para as noites de 11,12 e 13, de fevereiro próximo. Vida social – ‘Natal Club’: Prossegue animando os preparativos para as festas carnavalescas que essa sociedade vai levar a efeito na sua sede. Uma Comissão está angariando donativos entre os sócios a fim de auxiliar os cofres sociais nas grandes despesas que vão ser efetuadas com o brilhantismo dos festejos. Avenida Rio Branco: no trecho compreendido entre a ‘Mercearia Luz’ e a residência do coronel Antônio Gurgel, será ornamentada e profusamente iluminada, devendo ali tocar em coreto a banda de música do 29° Batalhão de Caçadores, já contratada para tal fim. Nos salões do clube dançar-se-á nas noites de 10, 11,12 e 13. No sábado 10, realizar-se-á ‘soirée blanche’, a qual só terão ingresso os cavalheiros que se apresentarem de preto e as damas de branco. A entrega dos convites à comissão de recepção será obrigatória. No dia 11, domingo, das 14 às 18 horas haverá uma ‘soirée infantil’ para os filhos dos sócios e convidados do baile do dia 10, em vista de ter á diretoria resolvido não permitir o ingresso de meninos na ‘soirée blanche’. As famílias poderão acompanhar nesse dia os seus pequenos à festa que lhes é decidida, e onde lhes serão distribuídos doces, bombons etc. Oxalá que o ‘Natal-Club’ saiba, que este ano, como nos anteriores, dar à celebração do carnaval um aspecto de graça e distinção compatível com a natureza da festa universal”.
Baile agitado e programação: No dia 28 de janeiro, o mencionado jornal dá uma notinha afirmando que haverá um concorrido e animado baile carnavalesco no ‘Centro Náutico Potengi’, do bairro da Ribeira. Reunião: Na mesma data e jornal, a então famosa agremiação ‘Club Noturno’, cuja secretaria era de João Estevam, convidava os sócios carnavalescos para uma reunião na casa de Antônio Cavalcanti em vistas ao carnaval. Banda: A banda de música do 29° Batalhão de Caçadores foi contratada para tocar de cima de um coreto armado em frente ao Natal Club, na Cidade Alta. e a banda de música da Polícia Militar e dos Escoteiros do Alecrim animaram os festejos e corso da Rua Tavares de Lyra, no bairro da Ribeira.
Agremiações vigiadas: Em 11 de fevereiro do mesmo, A República noticia a relação das agremiações carnavalescas que obtiveram a devida ‘licença’ da então Polícia para saírem às ruas durante os três dias de momo. Foram elas: “’Casamento na Serra’ – com sede à Rua Amaro Barreto, no bairro do Alecrim, ‘Recreio das Flores’, com sede na Cidade Nova, ’Urso Cazuza’ – com sede a Rua da Misericórdia, Cidade Alta, ‘Cambindas Velhas’ – com sede no bairro da Ribeira, ‘Maxixeira Alecrinense’ – com sede a Rua Amaro Barreto, no Alecrim, ‘Horizonte’ – com sede a Rua Amaro Barreto no Alecrim, ‘Alagoano’ – com sede na Rua Presidente Quaresma, ‘Coco Pirulito Americano’ – com sede a Rua Triunfo Bairro da Ribeira, ‘Macaco Chinês’ – com sede a Rua Coronel Bonifácio – Cidade Alta e o tradicional ‘Jandaias’”.
Carnaval e doação beneficente: No referido veículo jornalístico e data acima mencionada se lê também a notícia seguinte: “Sabemos que a comissão promotora dos festejos carnavalescos na Tavares de Lyra entregou a confraria São Vicente de Paula, da Igreja do Bom Jesus, toda fazenda que serviu nos dois coretos, cerca de mil metros, para que aquela sociedade a distribua com os seus protegidos”. Como se vê, antigamente se juntava carnaval e solidariedade. Ajudavam-se os semelhantes mais carentes.
Imprensa: No domingo de 11 de fevereiro, o citado jornal comenta novamente outros detalhes carnavalescos: – “Carnaval – Pode-se dizer que as festas carnavalescas, este ano, procederam entre nós toda expectativa. A nossa pacata urbs vibrou de entusiasmo, que penetrou todas as almas, apaixonando e confundindo todas as classes sociais num só e único pensamento, divertir, afogar as amarguras, esquecer por um momento a realidade da vida. E assim, de ano para ano, o carnaval se vai cada vez mais enraizando na alma popular, com as suas doidas alegrias, e resistindo sobraneiro a todos os combates no sentido de fazê-lo desaparecer. Durante os três dias, exibiram-se vários clubes, cordões e tipos avulsos mascarados, que, embora já conhecidos e sem muito bom gosto, alcançaram da população bastante simpatia e encheram as ruas de esfuziante alegria. O Natal-Club realizou no sábado uma suntuosa soirée blanche para iniciar as festas de momo, a qual teve o mais acentuado brilhantismo. Pelas três noites seguintes, ali e nos salões do ‘Centro Náutico Potengi’, reuniu-se o escol da sociedade natalense, havendo, até altas horas, animadas danças e renhidas pugnas de lanças perfume e confetti, proporcionando aos seus frequentadores momentos de relativa felicidade. A nota mais empolgante do carnaval feriu-se, incontestavelmente, na avenida Tavares de Lyra, porque ali confraternizaram, na mais perfeita democracia, grandes e pequenos, ricos e pobres, moços e velhos, todos na ânsia de gozar deliciosas emoções. Desde a iluminação, que esteve deslumbrante, ao gosto artístico dos coretos, em que tocavam as bandas de música da Polícia Militar e dos Escoteiros do Alecrim, tudo convidava à alegria, ao prazer. Aquela grande artéria pública reuniu, durante os três dias, colossal multidão, que soube expandir-se de maneira delirante, sem, todavia, chegar a excessos reprováveis. A vigilância das autoridades incumbidas do policiamento da cidade foi irrepreensível, de modo a não se registrar a menor ‘perturbação da ordem’”.
Balanço do carnaval de 1923: Ainda no mencionado jornal do dia 15 de fevereiro é publicada uma crônica referente ao carnaval de 23: “Pode-se dizer que as festas carnavalescas, este ano, excederam entre nós toda expectativa. A nossa pacata urbs vibrou de entusiasmo… durante os três dias, exibiram-se vários clubes, cordões e tipos avulsos mascarados”.
Como se pode observar, o tal cronista ainda teimava em bradar em sua coluna que a cidade do Natal era uma cidade ‘pacata’. O cronista só gostava dos bailes oficiais e detestava as algazarras populares nas ruas. Nada de alegrias e mela-mela, do chamado povão.
Fontes de pesquisa: Jornais da época e livros – Antigos Carnavais da Cidade do Natal, Gutenberg Costa, (2016). História do Carnaval Carioca, Eneida Moraes, (1968).
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