Feminicídio: um horror que ronda as mulheres

por ALUIZIA FREIRE // Professora e historiadora

 

Ilustração: Rogério Marques

Todos os anos no dia 8 de março saímos às ruas para celebrar o Dia Internacional de Luta da Mulher, um dos momentos mais importantes do calendário global. Reconhecemos todas as conquistas que tivemos ao longo do tempo e compreendemos que ainda temos muito a conquistar.

São várias teorias para explicar o surgimento dessa data, em nosso entendimento, criada em 1917 para celebrar a luta pelos direitos das mulheres, um marco essencial para o reconhecimento e fortalecimento do feminismo — e, portanto, da luta por uma sociedade mais justa e igualitária (VILELA, Luiza, 2023).
O que muita gente não sabe é a história que originou a data e porque ela é celebrada neste dia. Para se ter ideia, o evento só foi oficializado em 1975, mais de 60 anos após sua criação, em uma assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU). Diferente de outras datas celebradas pelo calendário, esse é um dos poucos dias que não foi criado pelo comércio.
A ideia de encontrar uma data para celebrar a luta feminista tem várias origens. Alguns pesquisadores apontam as primeiras etapas da Revolução Industrial no século XIX. Outros defendem que a data nasceu no estopim da Revolução Russa, em 1917, motivada pela luta das mulheres por melhores condições de vida, trabalho e o fim da Primeira Guerra Mundial. De todas as teorias, a mais aceita é que a data nasceu após uma conferência na Dinamarca em busca de direitos igualitários, em 1910, e foi consolidada pelo histórico incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist Company, em Nova York no ano de 1911.
Em 1909, dois anos antes do incêndio, as mulheres nova-iorquinas que trabalhavam na fábrica têxtil haviam feito uma greve, reivindicando melhores condições de trabalho e o voto feminino. Em conjunto com os nascentes sindicatos e com o Partido Socialista da América, elas participaram de uma passeata que reuniu cerca de 15 mil mulheres. A fábrica, na época, recusou as reivindicações. Um ano mais tarde, em 1910, esse movimento inspirou Clara Zetkin, famosa ativista alemã, a criar uma data anual para celebração da luta nas conferências de mulheres da Internacional Socialista, em Copenhague. 
Diante de toda a luta do movimento feminista, não podemos esquecer que a violência contra as mulheres era institucionalizada, uma vez que as mesmas estavam subjugadas a atender ao seu senhor, pois os homens tinham poder sobre elas. Eles escolhiam até a roupa dela vestir, tendo controle sobre seu corpo. A mulher era criada para casar e ser mãe, isto é, o papel imposto era de dona de casa. Desta forma, a cultura machista faz com que se sintam no direito de demonstrar sua força com a violência. “No Brasil isso se deu com a reprodução de uma sociedade patriarcal, na qual o homem era considerado o sujeito capaz e habilitado a atuar publicamente, enquanto a mulher ficava restrita ao lar e à educação dos filhos”, afirma a historiadora Margarete Rago (2004, p. 32).
Cada vez mais percebemos o aumento crescente do feminicídio. Daí, a necessidade urgente de encontrar alternativas concretas de combate a toda forma de violência.
O conceito de feminicídio é utilizado para designar os homicídios de mulheres em razão da condição de gênero. “Entende-se como uma forma extrema de violência de gênero que resulta na morte de mulheres”. Pode-se dizer que o “feminicídio se configura como o ápice da trajetória de perseguição à mulher com diferentes formas de abuso verbal e físico, como estupro, tortura, incesto, abuso sexual infantil, maltrato físico e emocional” (COLLING; TEDESCHI, 2019, p. 245).
Em 2015, o feminicídio foi inserido na lista do homicídio por meio da Lei nº 13.104/2015. Vale enfatizar que uma das primeiras normas do jurídico brasileiro que possibilita visibilidade à violência contra as mulheres é a Lei Maria da Penha, uma entre tantas mulheres no Brasil vítimas da violência doméstica. E que, em razão da lentidão do judiciário brasileiro, recorreu aos tribunais internacionais, que determinaram a necessidade de criar medidas de proteção às mulheres em nosso país.
Assim, em 2006 surgiu a Lei nº 11.340/2006, chamada Maria da Penha. Apesar disso, diante dos elevados índices de violência contra as mulheres, tal lei não foi suficiente, tendo em vista a falta de políticas públicas mais eficientes que de fato venham proteger as vítimas da violência doméstica e familiar.
A violência contra as mulheres não se resume apenas ao feminicídio. Existem muitas outras agressões – física, moral, psicológica, sexual e patrimonial – todas nominadas pela Lei Maria da Penha. Essa luta constante pelo fim da violência contra as mulheres e por políticas públicas que venham reparar as desigualdades de gênero é reafirmada cotidianamente com a resistência feminista, que cobra do Estado sua responsabilidade para impedir todas as formas de violência.
A quarta edição da pesquisa “Visível e Invisível” revela o cenário da vitimização de mulheres no Brasil ocorrida em 2022. Encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto ao Instituto Datafolha, a pesquisa mostra que mais de 18 milhões de mulheres sofreram alguma forma de violência no último ano. Em comparação com as pesquisas anteriores, todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento acentuado. A pesquisa ouviu 2017 pessoas, entre homens e mulheres, em 126 municípios brasileiros, no período de 9 a 13 de janeiro de 2023.
Os últimos três anos mostram o aumento do número de feminicídio no Brasil. O ano de 2022 expõe um quadro de violência em que 33,4% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram violência física e/ou sexual por parte de parceiro íntimo ou ex. Maior do que a média global, de 27% (OMS). 21,5 milhões de mulheres. 50.962 sofreram violência diariamente em 2022. O equivalente a um estádio lotado. Um crescimento acentuando que pode levar a mulher a um risco de ser assassinada, vítima do feminicídio.
Fonte: Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Quando se fala das ameaças por arma de fogo, espancamento, perseguição, o espaço menos seguro é a própria casa. Segundo a pesquisa, companheiro e ex são responsáveis por quase 60% das agressões. 65,6% de mulheres negras com até 34 anos relataram mais casos de agressões que outros grupos pesquisados. A pesquisadora Debora Piccirillo, do núcleo de estudo da violência da Universidade de São Paulo, diz que é preciso uma combinação de políticas públicas. “Você precisa atuar em diferentes frentes, não só na segurança pública, mas também no âmbito da educação, da saúde e da assistência social. O principal desafio é criar políticas de longo prazo que se sustenta ao longo do tempo”.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (INPEA), a cada minuto duas mulheres são estupradas no Brasil. São 822 mil por ano.
A polícia só toma conhecimento de 8,5 desses casos e o sistema de saúde 4,2%. Nesse sentido, faz-se necessário mais campanhas educativas para combater a violência doméstica, disponibilizando e intensificando os canais de denúncia e ampliando os serviços públicos de assistência às mulheres, como as delegacias 24h, o atendimento psicossocial, entre outras medidas públicas emergenciais. Além disso, o combate a toda forma de opressão contra as mulheres está diretamente ligado à luta pelo fim da sociedade patriarcal que alimenta o machismo. Como bem disse a feminista Clara Zetkin, “De mãos dadas com o homem de sua classe, a mulher proletária luta contra a sociedade capitalista”.

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