Cinema, lugar de fala e criação

Fotos: Rogério Marques/Coletivo Foque

Cinema na praia, é assim que a Mostra de Cinema de Gostoso exibe todas as noites curtas e longas numa telona de 12 metros para milhares de pessoas estiradas em espreguiçadeiras ou na própria areia da Praia do Maceió, em São Miguel do Gostoso, litoral do Rio Grande do Norte.

Em sua 10ª edição, a mostra iniciada dia 24 encerra nesta terça-feira uma programação intensa de filmes, seminários e debates com cineastas, roteiristas, distribuidoras, gente da produção, atrizes e atores da cena audiovisual brasileira.

Ao lado da telona na areia da praia também foi montada uma sala de cinema em forma de tenda esférica com capacidade para 110 pessoas. O limite da lotação deixou muita gente sem acesso às exibições da tarde, mesmo depois de enfrentar longas filas.
A programação inclui nove longas-metragens e 17 curtas-metragens de 11 estados brasileiros, que foram selecionados em meio a nada menos que 194 produções audiovisuais. Destaque para o coletivo Nós do Audiovisual, formado por jovens de São Miguel do Gostoso que passaram a pescar seus próprios talentos, que por sinal tem deixado muito peixe grande de queixo caído.
Tudo isso acontecendo num país que viu a sua produção cinematográfica ser desmantelada nos últimos anos por um governo que atacou com unhas e dentes a cultura brasileira. Uma política amarga que deixou a atividade artística à pão e água. Além da pandemia, que estraçalhou sonhos e sepultou milhares e milhares de vidas. Lembrando que uma das vítimas da Covid-19, o compositor Aldir Blanc, emprestou seu nome para um monte de editais fazendo valer sua famosa estrofe: “o show de todo artista tem que continuar”

Um dos debates com realizadores trouxe à tona a necessária reflexão sobre a memória do cinema nacional. O curta A Edição do Nordeste expõe o tratamento dado à produção cinematográfica brasileira. O diretor do filme, Pedro Fiuza, lamentou em não conseguir encontrar alguns arquivos das produções selecionadas para compor o curta. Um pedaço da memória que certamente foi apagado pela falta de zelo com a preservação do patrimônio cultural.

A 10ª Mostra de Cinema de Gostoso resiste ao apagamento da memória trazendo para a tela a céu aberto filmes brasileiros independentes que dialogam com o povo da cidade.

Uma mostra que convida para sonhar e a conviver com a diversidade através de um cinema vivido e compartilhado por todas, todos e todes. Uma experiência coletiva que tem como palavra de ordem desafiar a cultura dominante, assim como a denúncia feita pela artista Cassia Damasceno nesta segunda-feira durante um debate com realizadores, que repudiou o discurso racista e homofóbico proferido pelo senhor Inácio Araújo, crítico de cinema do jornal Folha de São Paulo. “É uma luta muito grande ocupar um lugar de fala e tem muita gente até hoje que morre por causa disso. Então, uma pessoa chegar e dizer que está cansada de ir a uma sala de cinema porque só fala-se sobre preto, gay e índio, a coordenação do festival não pode permitir. Então, estou fazendo a denúncia. Porque a gente está num lugar maravilhoso de reflexão, de pensamento, de criação, então, não dá para alguém fazer essa fala ofendendo qualquer pessoa”.
Para a diretora de fotografia, Sylara Silvério, é lamentável que as pessoas queiram contar suas histórias e sejam vítimas de ofensas. Ela afirma que é preciso responsabilizar esses atos de racismo e homofobia. “Que bom que o festival trouxe esse tipo de filme aqui, tomara que tenha muito mais filme de preto, muito mais filme de indígena e de LGBT”.
Logo após a publicação de uma Nota Oficial no Instagram da Mostra de Cinema de Gostoso, alguns seguidores manifestaram suas opiniões sobre a fala racista e homofóbica proferida pelo senhor Inácio Araújo.

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