Ivo Filho, o iluminado da província

 

por CARLOS LUCAS // poeta, contista e articulista

 

Francisco Ivo Cavalcanti – Acervo OAB/RN
Eu tinha apenas nove anos quando o jornalista, poeta, dramaturgo, advogado e professor Francisco Ivo Cavalcanti faleceu. Não o conheci pessoalmente, mas visualizei a sua sabedoria a partir de 1985, quando comecei a pesquisar um livro do meu tio bisavô Lucas da Costa, intitulado Disfarçados (1924). Na página inicial da publicação, Ivo Filho é um dos dedicados, assim como na página da fundação do ”Gymnasio Dramático de Natal”, do qual é um dos fundadores. Francisco Ivo ou Ivo Filho – como era mais conhecido – nasceu em 26 de agosto de 1886, em Natal, sendo filho de Ivo Cavalcanti de Andrade e Vitalina Evangelina Cavalcanti.
Desde cedo, o menino curioso das coisas da vida revelou aptidão para os estudos. Fez o curso secundário no Atheneu Norte-rio-grandense e diplomou-se pela Escola Normal de Natal, em sua primeira turma, em 1910. Anos mais tarde, lecionou no mesmo educandário. Em 1917, instalou um curso primário em sua residência, onde ensinava português, francês, aritmética, álgebra, geometria, geografia, história geral e do Brasil, tendo como auxiliar e colaborador o doutor Luiz Antônio, que ensinava física, química e história natural. Foi professor primário e mestre de Humanidades de várias gerações de natalenses ilustres, inclusive nas primeiras letras de Luiz da Câmara Cascudo, de quem prefaciou o livro O Tempo e Eu.
A reputação de professor cresceu com o tempo, passando a ser tratado popularmente por Mestre Ivo. De 1928 a 1930, no governo Juvenal Lamartine, foi nomeado Diretor de Educação, cargo que exerceu com brilhantismo. Criada a Faculdade de Direito de Natal, foi nomeado professor, mas não chegou a assumir a cadeira, por ter atingido a compulsória.

Jornalismo

Com agudeza de espírito, Ivo Filho iniciou sua carreira jornalística aos 16 anos no jornal Gazeta do Comércio, de propriedade do notável jornalista Pedro Avelino. Colaborou, também, nos jornais A República, Diário de Natal, A Razão, O Democrata, Jornal do Povo, Jornal do Comércio, sendo editorialista deste último, de propriedade do deputado Theodorico Bezerra, e nas revistas do Centro Polymathico e Pedagogium. O pesquisador Veríssimo de Melo cientifica em livro que seus editoriais eram censurados, ocultamente, pelo seu filho, general Ulisses Cavalcanti, “a fim de atenuar a linguagem violenta que usava contra o governo”. Afora os veículos de comunicação citados acima, ocupou o cargo de diretor do jornal A Imprensa, do Coronel Cascudo, pai de Câmara Cascudo.
Na condição de advogado, projetou o seu nome na advocacia brasileira ao se tornar um dos fundadores e o primeiro presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte, em 1932, inscrito sob o nº 0004. O talento de orador nos meios jurídicos marcou época em Natal.
Ivo Filho exerceu diversos cargos e funções em sua cidade berço. Seu primeiro emprego foi como estafeta dos Correios e Telégrafos, na linha Natal – Macaíba, cujo percurso era feito de lancha; além de deputado estadual e consultor jurídico do Banco do Brasil, agência de Natal, aposentando-se em 1962.

Letras

Devotado às letras, iniciou-se cedo na vida literária. Estreou na poesia em 1906, com a publicação de Crisântemos, livro prefaciado pelo poeta Henrique Castriciano. Em seu ofício de ourives das palavras, conviveu com os mais renomados intelectuais de seu tempo. Merecem destaque Alberto Maranhão, Antônio de Souza, Pinto de Abreu, José da Penha, Pedro Alexandrino, Ezequiel Wanderley, Gotardo Neto, Ferreira Itajubá e o já mencionado Henrique Castriciano. Fundou a Oficina Literária “Lourival Açucena”, com os poetas Ferreira Itajubá, Gotardo Neto, Ponciano Barbosa, Angione Costa, Jorge Fernandes, José Gobat, Josué Silva, Antônio Glicério, João Estevão e outros, tendo como órgão “O Potiguar”.
Além de membro fundador do ”Gymnasio Dramático de Natal”, foi ator, diretor e escreveu várias peças teatrais, em algumas abordando temas psicológicos e sociais. De sua lavra dramatúrgica, cito Sônia, comédia drama em três atos, 1913; Esses Primos…, comédia em um ato, 1914; O Motivo, comédia de costumes, 1915; O Flagelo, alta comédia, 1915; Além…, drama social, 1916; O Degenerado, drama em três atos, 1916; Em Apuros, comédia, 1916; Um Chá Complicado, comédia, 1916; Sopa no Mel, comédia, 1916; O Jovem, comédia, 1917; Renúncia, drama, 1940; Inolvidável, comédia; A Infâmia, drama; Cartas Para a Eternidade, 1947; e Contos & Troças-Loucuras (em parceria com Jorge Fernandes).
Pertenceu à Academia Norte-rio-grandense de Letras, onde desfrutou do bom convívio com Câmara Cascudo, Henrique Castriciano, Sebastião Fernandes, Edgar Barbosa, Aderbal de França e tantos outros intelectuais. Ocupou a cadeira 24 cujo patrono é Gotardo Neto.
Ivo Filho foi, ainda, maçom da loja 21 de Março, tendo atingido o último grau do Rito Moderno (Rosa Cruz, Grau 7) da loja Evolução 2. Em 1961, recebeu a honra do título de Professor Emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Casou-se quatro vezes, deixando vários filhos. Era sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) e membro de sua diretoria (Comissão de Fazenda e Orçamento).
Francisco Ivo Cavalcanti faleceu em 11 de março de 1969, mas sua atuação segue inspirando as pessoas até os dias atuais. O Instituto Histórico e Geográfico do RN, em homenagem à sua memória, fez-se representar no seu sepultamento por diversos membros, e à beira do túmulo usou a palavra o vice-orador, Dr. Paulo Pinheiro de Viveiros.
Em sessão de 29 de maio de 1971, também a “Casa da Memória” evocou a sua vida, pela cultura da província, quando proferiu conferência o sócio efetivo Antônio Antídio de Azevedo. Francisco Ivo Cavalcanti é nome de rua na praia da Redinha e de escola estadual em Natal, além de autor de diversas modinhas famosas, sempre cantadas obrigatoriamente nas serenatas da Natal antiga, entre as quais “Melancolia”, em parceria com Miguel Pio (1912), e “Súplica”, com o parceiro Olympio Baptista Filho (1909), que mereceu uma gravação pela UFRN, no ano de 1983, na voz da cantora Fátima Brito.
Em suas memórias, Câmara Cascudo o descreve: “Espírito inquieto, curioso, moderno, falava-me sobre música, pintura, serenata, relações humanas, literatura recente, declamando versos, solfejando modinhas”. E confessa que a Ivo Filho devia o gosto pelo teatro, a revelação do cinema, do jornalismo, e arremata: “era enamorado da vida, sabendo vestir-se e dançar”.

CARLOS LUCAS é poeta, contista e articulista.
OBRAS DE IVO FILHO
Crisântemos (1906, poesias). /// Sônia (drama). /// Além… (drama). /// O Degenerado (drama). /// A Infância é Irremediável (drama). /// O Motivo (comédia). /// Em Apuros (comédia). /// O Jovem (comédia). /// Cartas Para a Eternidade (1947). /// Contos & Troças-Loucuras (1909, em parceria com Jorge Fernandes).
FONTES 
NONATO, Raimundo. Bacharéis de Olinda e Recife, Irmãos Pongetti Editores, Rio, 1960.
MELO, Veríssimo de. Patronos e Acadêmicos. Vol. II, Pongetti Editores, Rio, 1974.
CASCUDO, L. da C. “Meus Professores” in Ontem (memórias), 2ª ed. EDUFRN, Natal, 1998.
OTHON, Sônia Maria de Oliveira. Dramaturgia da Cidade dos Reis Magos, Editora da UFRN, Natal, 1998.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais acessadas